AMEAÇAS À GESTÃO DA INOVAÇÃO

AMEAÇAS À GESTÃO DA INOVAÇÃO


A ameaça é um fenômeno que desperta intuitivamente o sinal de alerta de qualquer indivíduo. Estar ou ser ameaçado é muito incômodo. Para a sobrevivência, representa a proximidade do encontro com o que vem depois da vida; para os cursos de ação, significa a possibilidade franca de malogro, fracasso. Na contemporaneidade, contudo, apesar de biologicamente o mesmo sentimento ser despertado, cientificamente as coisas mudaram de figura. Sabemos que as ameaças aumentam na mesma proporção que o conhecimento que se tem sobre elas diminui. E o resultado é a impossibilidade de se estabelecerem cursos de ação capazes de lidar com elas, o que equivale a dizer “colocarem-se desafios”. Para ajudar a lidar com isso, este ensaio tem como objetivo apresentar um esquema lógico que pode ser útil para compreender a dinâmica das ameaças, características normais dos ambientes externos.

Uma ameaça é todo evento que pode alterar determinado curso de ação e comprometer o alcance dos objetivos pretendidos. A análise semântica dessa definição aponta para dois atributos fundamentais. Primeiro, a possibilidade efetiva de alteração dos planos da instituição de ciência e tecnologia. Para quem já teve a experiência de participar dessas arquiteturas sabe a complexidade dos cálculos que são feitos e, talvez mais importante do que isso, as teias de relações intra e interorganizacionais para viabilizar sua execução. Alterar o fruto desse esforço requer empreendimento da mesma magnitude de complexidade. O segundo atributo é a possibilidade efetiva de que aquilo que se quer buscar pode não acontecer. Isso quer dizer que os investimentos do presente para trás podem ter sido em vão. Infelizmente, essa é uma realidade experimentada ainda por muitos dirigentes. Mas pode ser evitada conhecendo-se sua dinâmica.

A primeira coisa que precisa ser compreendido é que o que acontece fora das fronteiras organizacionais é, comparativamente com o comportamento meteorológico, difuso. Institucionalmente, há ameaças que vem do interior do bairro da cidade de onde a instituição está instalada. Desastres naturais são típicos exemplos. Outras podem aparecer um pouco distante, mas dentro do mesmo espaço geográfico municipal. Outras são mais dispersas, tomando contornos estaduais e regionais, enquanto as demais são nacionais e internacionais. Embora difusas, ainda que algumas possam ser consideradas “inesperadas”, o monitoramento mais consistente é capaz de percebê-las com antecedência. Por exemplo, a tragédia de Brumadinho apresentava indícios desde anos antes.

A segunda coisa que se tem que compreender é que o aparecimento da ameaça é relativamente lento. Ainda que pareça catastrófica, toda ameaça avassaladora foi construída, foi-se formando ao longo de um tempo razoavelmente esparso. O monitoramento institucional é que, na maioria das vezes, não é adequado para detectá-lo – ou é bastante irresponsável. A situação calamitosa por que passaram as instituições públicas de ciência e tecnologia em 2019, com a impossibilidade de repasse de dinheiro porque não havia caixa para tal, era apenas questão de tempo. Como nossas instituições não têm gerenciamento financeiro (e consequentemente não têm monitoramento), foram pegas de “surpresa”.

A terceira coisa é que as ameaças são quase sempre conjunção de fenômenos físicos a partir de causas extrafísicas. Ainda que se pense que o rompimento de uma barreira de contenção de rejeitos seja um evento físico, de fato ela aconteceu porque o pensamento (fenômeno extrafísico) dos indivíduos o quis ou não o percebeu. O pensamento é o grande criador de todas as coisas, e, também, o grande “evitador” das tragédias colossais. Eventos financeiros são produzidos por eles, assim como a continuidade da miséria ou a construção do paraíso na terra. É o pensamento que arquiteta como as coisas serão, como são e como deveriam não ser. Esse terceiro aspecto é crucial porque permite que os dirigentes, que apenas conseguem ver fatos e fenômenos físicos, compreendam por que coisas “acontecem do nada”. Em se tratando de ameaças, é fundamental que se inverta a lógica das coisas: as realidades econômicas que se veem, como a população passando fome ou não ter dinheiro para pagar as bolsas de pesquisa, são produzidas por coisas que não se veem, que estão na mente das pessoas.

E a quarta mas não menos importante coisa, é que esses eventos ou mundos externos são infinitos, se interpenetram e perpassam-se. Um vento legal surge e se vai ampliando e/ou aprofundado. Intensifica-se em determinado espaço geográfico e se faz rarefeito em outro. Muitas vezes se torna permanente, enquanto noutras desaparece por completo. Nessas diferentes formas de existir, transforma-se constantemente, de maneira que cada percepção de uma nuance é tomada como uma nova realidade. Um evento legal, assim como todos os demais, nunca aparece sozinho. Vem junto com inúmeros outros. Mas, devido à nossa mentalidade linear, só os mais salientes são percebidos, percepção que quase sempre dá conta apenas da aparência, porque não entendemos a dinâmica das coisas.

Cada dirigente precisa monitorar o ambiente externo sob sua perspectiva. É que cada perspectiva é um ângulo privilegiado de visão. O que ela vê, as demais não podem detectar. Cada perspectiva dá conta apenas de um aspecto da realidade. É preciso unir as perspectivas para que se possa dar conta da maior amplitude possível do ambiente externo (e da ameaça). Isso mostra que, o que aparentemente é contradição (contradição é apenas incompreensão da lógica do mundo), é apenas limitação de percepção.

Quando essas quatro dinâmicas são conjugadas, as ameaças podem ser compreendidas com mais adequação no seu próprio ciclo de vida (tudo no mundo o tem). E tudo aquilo que é conhecido jamais pode ser tomado como ameaça. Quando os eventos ameaçadores são conhecidos, portanto, deu-se um passo gigantesco no esforço desafiador de transformá-los em oportunidades. E é justamente ser capaz de progredir, avançar, na adversidade que faz com que umas organizações se transformem em inovadoras, enquanto as que não têm essa capacidade tentam desesperadamente sobreviver.


Dr. Daniel Nascimento e Silva

Dr. Daniel Nascimento e Silva

PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)



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