A profissão de perdoar   

A profissão de perdoar   


Conta uma anedota que Perugino, famoso pintor italiano da Idade Média, estava para morrer e pensava se ia ou não confessar os seus pecados a um padre. Não queria fazer isso simplesmente por medo, para ter uma certa garantia contra algum possível castigo divino, como se a absolvição do padre valesse mais do que a misericórdia do Altíssimo. Decidiu, então, que se fosse por medo da punição não ia confessar. Sua esposa, que não sabia nada da disposição interior dele, perguntou-lhe se não temia morrer sem se confessar. Perugino respondeu: "Veja, minha querida: minha profissão foi pintar e me sobressaí como pintor. A profissão de Deus é perdoar e, se ele for tão bom em sua profissão quanto eu fui na minha, não vejo razão alguma para ter medo".

Estamos chegando ao final do ano litúrgico e o trecho do evangelho de Marcos, que iremos proclamar, fala-nos da “grande tribulação”. O anúncio da volta do Filho do Homem parece algo muito assustador, ao menos nas expressões da linguagem. Na realidade, é a revelação de uma esperança: ele reunirá os eleitos de Deus de uma extremidade à outra da terra (Mc 13,27). A boa notícia, portanto, é a de uma grande reunião com ele. Tal evento será tão novo, que até o sol, a lua e as estrelas serão transformados. O “sinal” da figueira também é um sinal de vida: quando os ramos ficam verdes e as folhas começam a brotar, logo chegarão os doces frutos. Se tiver algo a temer, não será tanto a vinda do Filho do Homem, da qual não sabemos nem o dia e nem a hora, mas é porque esse será o momento da verdade, quando o que estiver escondido será revelado (Mt 10,26 ). O versículo 31 de Mc 13 são palavras de Jesus bem conhecidas, muito repetidas e até cantadas: “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão”. Nesta altura, cabe a nós entendermos se essas palavras se referem simplesmente à destruição do templo de Jerusalém, que aconteceu alguns anos depois e antes do evangelho de Marcos ser escrito, ou se podemos entendê-la num sentido maior. Afinal, as palavras de Jesus  nunca deixarão de ser palavras de vida para quem souber acolhê-las.

Na prática, nós cristãos, somos convidados a avaliar e orientar a nossa vida levando em conta dois fatores importantes: os chamados “sinais dos tempos” – exemplificados aqui com a figueira que brota -  e a Palavra de Deus que “não passa”. Com efeito, nós acreditamos que Deus, na sua bondade, nunca deixa de nos enviar mensagens amorosas de alerta, de incentivo e de esperança, através dos acontecimentos da vida pessoal e da história do mundo e por meio de pessoas que, animadas pelo Espírito, lembram-nos as suas palavras e, assim, ajudam-nos a atualizá-las para os dias de hoje. Na pessoa de Jesus, a Palavra se fez carne e nele encontramos a plena revelação de Deus. No entanto, a partir de Jesus, do seu exemplo e das suas palavras, nós somos chamados a viver fielmente o seu seguimento na história que muda no tempo. Temos a Palavra escrita, mas essa Palavra é viva, não só porque deve ser praticada em nossas vidas, mas também porque abre continuamente novos horizontes nos fatos da história que muda. É um trabalho fadigoso, desafiador, mas, ao mesmo tempo, empolgante.

Batizados e batizadas somos todos chamados a ser “sal da terra e luz do mundo”, ou seja, a testemunhar o Reino de Deus que é um dom dele, mas pode crescer também com o nosso envolvimento e compromisso. Não basta que os cristãos leiam ou espalhem a Bíblia, precisa que a Palavra viva ilumine as decisões políticas e sociais da humanidade toda. Os acontecimentos da história, muitas vezes trágicos e contraditórios, desumanos e solidários ao mesmo tempo,  levam-nos ao desânimo ou ao individualismo de quem quer salvar a própria pele sozinho. A Palavra de Deus viva, porém, chama-nos a ver os  sinais de esperança, o pequeno que transforma o grande, o fermento que faz levedar toda a massa. Deus nos envia continuamente mensagens e mensageiros, mas não para nos amedrontar. Ele quer que nunca deixemos de confiar e esperar na sua infinita misericórdia. Por isso, repetimos: “agora e na hora da nossa morte”. Sempre.  



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