Senado Federal

PNE: Congresso se prepara para decidir metas da educação para os próximos 10 anos



O novo Plano Nacional de Educação (PNE), que terá vigência por dez anos, pode ser votado pelo Congresso Nacional neste ano. O cenário a ser enfrentado pelo PNE inclui uma taxa de analfabetismo de 7%, escolas públicas com falta de infraestrutura e professores com salários defasados, entre outros desafios.

O projeto de lei que institui o novo plano (PL 2.614/2024) deveria ter sido enviado pelo Executivo em 2023, mas só foi encaminhado ao Congresso no ano passado. Para ter validade pelos próximos 10 anos, conforme a intenção do governo, os parlamentares têm de aprovar o texto até o final de 2025.

Atualmente, a proposta está em tramitação na Câmara dos Deputados — e, depois de passar por essa Casa, será analisada no Senado. O texto contém 18 objetivos, 58 metas (que permitem o monitoramento dos objetivos) e 253 estratégias (orientações para atingir os objetivos e as metas).

Os objetivos, metas e estratégias (veja a lista completa na página 7 do projeto) a serem cumpridos se referem às áreas de educação infantil, alfabetização, ensinos fundamental e médio, educação integral, diversidade e inclusão, educação profissional e tecnológica, educação superior, estrutura e funcionamento da educação básica.

Entre os objetivos estão a consolidação da gestão democrática do ensino público; a superação do analfabetismo entre jovens e adultos; e a garantia da qualidade e da equidade nas condições de oferta da educação básica.

 

Projeto em debate no Congresso estabelece metas, objetivos e estratégias para a educação nos próximos 10 anos Lúcio Bernardo Jr./Agência Brasília

O Senado já começou a se debruçar sobre o tema. No segundo semestre de 2024, a Comissão de Educação e Cultura (CE) promoveu um ciclo de dez audiências públicas, com a participação de educadores, pesquisadores, representantes do governo, dos sistemas de ensino e da sociedade civil. Esses debates foram uma iniciativa do senador Flávio Arns (PSB-PR), presidente da comissão.

Os debatedores elogiaram algumas das medidas e características do novo PNE, como a visão sistêmica do planejamento educacional e a intersetorialidade das políticas públicas nacionais. Mas tambem fizeram críticas e sugestões, como a recomendação de que o plano seja instituído junto com o Sistema Nacional de Educação — que está previsto no PLP 235/2019, projeto de lei de Flávio Arns — e de que haja definições mais claras sobre a execução das estratégias.

Veja a seguir algumas das medidas previstas no novo PNE e as avaliações feitas pelos especialistas que participaram dos debates no Senado. 

Visão sistêmica

Para os debatedores, entre os pontos positivos estão a visão sistêmica do planejamento educacional e a intersetorialidade entre políticas públicas. Segundo eles, esse avanço foi possível porque o projeto levou em consideração as discussões com a sociedade civil e o monitoramento do PNE atualmente em vigor.

Além disso, o texto traz contribuições do grupo de trabalho do Ministério da Educação, de representantes do Congresso Nacional e de conselhos de educação, entre outros — a proposta incorpora, inclusive, sugestões feitas durante a Conferência Nacional de Educação, que aconteceu em janeiro de 2024.

Para Paulo Fossatti, conselheiro da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, um dos principais desafios é estabelecer o PNE como política de Estado (ou seja, sem o risco que o plano seja "desmontado" ao longo do tempo, conforme os governos forem se alternando no poder), com um sistema de execução integrada entre União, estados e municípios.

— Se quisermos levar adiante o PNE, com seriedade e efetividade, nós precisamos pensar num sistema nacional de educação que dê conta disso. Um sistema que integre a federação, os estados e os municípios em um grande trabalho em rede, para que de fato haja uma política de Estado, e não uma política de governo de quatro ou de oito anos — alertou ele.

Fossatti ressaltou que o Brasil ainda registra cerca de 9 milhões de analfabetos e mais de 60 milhões de jovens que não terminaram o ensino fundamental.

Sistema Nacional de Educação

Além de Fossatti, outros debatedores também argumentaram que, para a implementação do próximo PNE, é fundamental a instituição do Sistema Nacional de Educação — que está prevista no PLP 235/2019, projeto de lei complementar do senador Flávio Arns.

Esse projeto alinha políticas, programas e ações entre União, estados e municípios (e também o Distrito Federal), no âmbito de uma articulação colaborativa dos entes da Federação. Seu texto foi aprovado no Senado e atualmente está em análise na Câmara dos Deputados.

Para os especialistas que discutiram o tema no Senado, o regime de colaboração entre as três esferas de governo previsto no Sistema Nacional de Educação viabilizará o planejamento e a execução das políticas públicas determinadas pelo novo PNE.

— Paralelo à discussão do Plano Nacional de Educação, defendemos também a aprovação do Sistema Nacional de Educação, porque são dois instrumentos que têm necessariamente de dialogar entre si. Não dá para aprovar um e não aprovar o outro, porque isso causaria um descompasso que acabaria impedindo a sua implementação — declarou Alessio Costa Lima, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

Flávio Arns concorda com essa avaliação. Segundo ele, as metas e estratégias do PNE só poderão ser executadas com um sistema que estabeleça de forma clara as responsabilidades de cada ente da federação — inclusive possibilitando que municípios e estados elaborem seus próprios planos e sistemas (a previsão é que o PNE, após ser aprovado no Congresso, dê origem a planos estaduais e municipais de educação).

— Para termos, por exemplo, um plano municipal de educação com metas bem definidas pela comunidade educacional, a gente precisa ter o Sistema Nacional de Educação para que o município saiba com o que pode contar nesse debate tripartite entre União, estados e municípios. Porque senão fica difícil para os municípios estabelecerem suas metas sem saber qual apoio terão — disse Arns.

Alfabetização x evasão

O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) aponta para uma queda significativa na porcentagem de estudantes alfabetizados no segundo ano do ensino fundamental: de 60% em 2019 para 44% em 2021. Segundo o Ministério da Educação, a redução pode ter sido resultado da pandemia de covid-19.

Para tentar reverter tal tendência, a Meta 3.a visa assegurar que, até o quinto ano de vigência do plano, pelo menos 80% das crianças  estejam alfabetizados ao final do segundo ano do ensino fundamental. Essa meta também visa assegurar que, após 10 anos do plano, todas as crianças estejam alfabetizadas ao final do segundo ano do ensino fundamental. 

 

Além disso, o novo PNE propõe universalizar, até o terceiro ano de vigência do plano, o acesso à escola para toda a população de 6 a 17 anos de idade. Propõe ainda elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais visando superar o analfabetismo até o final da vigência do PNE.

Para reduzir a evasão, o plano prevê a ampliação da oferta de educação em tempo integral na rede pública.

Na avaliação de Hugo Silva, presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), os problemas com a estrutura e o funcionamento das escolas públicas de educação básica estão entre as causas da falta de interesse do aluno em permanecer no sistema educacional. Ele afirma que as escolas precisam ser transformadas para atrair os jovens e para apresentar a educação como uma opção para a vida pessoal e profissional deles.

— Muitas escolas parecem presídios. A gente visita escolas em que existem mais grades do que bebedouros. A gente precisa que esse PNE estruture o que vai ser a construção dessa escola com a nossa cara. Uma escola com cultura, uma escola com esporte, uma escola com produção de ciência e tecnologia. Uma escola onde a gente sinta vontade de estar lá.

O projeto do PNE prevê, por exemplo, uma meta para a redução da desigualdade na oferta de infraestrutura entre as escolas da educação básica (Meta 18.d). Mas Hugo Silva ressalta que a previsão em lei não é suficiente; ele enfatiza que é necessário fiscalizar a implementação da meta pelos estados.

De acordo com o Ministério da Educação, 68 milhões de pessoas com mais de 18 anos não haviam concluído a educação básica em 2023. E o Censo Demográfico de 2022 indica que 9,5 milhões de pessoas com 15 anos ou mais são analfabetas.

 

Uma das estratégias do novo PNE para os ensinos fundamental e médio é a elaboração de propostas curriculares alinhadas às transformações da sociedade e do mundo do trabalho, assegurando o acesso à cultura e ao conhecimento científico (Estratégia 4.5). Espera-se, dessa forma, que o processo de ensino e aprendizagem se torne "contextualizado, atrativo e significativo aos estudantes dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio”.

Também foi inserida como estratégia de permanência o fomento a políticas de apoio financeiro aos estudantes em situação de vulnerabilidade econômica (Estratégia 4.8 e Estratégia 10.4), como é o caso do Programa Pé de Meia. 

Indicadores e tribunais de contas

A proposta do novo plano mantém o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) como responsável pelo monitoramento do PNE. A cada dois anos, esse órgão deve publicar o índice de alcance das metas, como já ocorre hoje, por meio de indicadores. O órgão usa atualmente cerca de 50 indicadores.

Além disso, o projeto prevê o fomento a avaliações diagnósticas e formativas nas unidades educacionais e nos sistemas de ensino, visando definir estratégias para o processo de alfabetização e recomposição das aprendizagens dos estudantes (Estratégia 3.9 e Estratégia 5.9).

O texto também prevê o aprimoramento contínuo dos processos de avaliação e a apropriação dos resultados educacionais pelas escolas, considerados os níveis alcançados por diferentes grupos sociais, com vistas à redução das desigualdades existentes e ao apoio ao planejamento e à gestão (Estratégia 3.10 e Estratégia 5.8).

Durante as audiências no Senado, vários debatedores cobraram melhorias nesse quesito. Eles defendem, por exemplo, a inclusão dos tribunais de contas dos estados (TCEs) nesse processo.

— Temos trabalhado continuamente nessa área e temos essa capilaridade e essa responsabilidade de analisar o que o Brasil tem feito, evidenciando boas práticas e pontos a serem aperfeiçoados. Nesse projeto de lei, é fundamental que se preveja a participação dos tribunais de contas nas fases de cumprimento e avaliação das metas da educação. Esse projeto não pode ser apenas uma carta de intenções; ele deve ter objetivos factíveis para alcançarmos melhorias significativas na educação, tanto em níveis de aprendizagem quanto em qualidade e equidade, eficiência e efetividade — declarou Vinicius Schafaschek de Moraes, servidor do Tribunal de Contas de Rondônia e membro da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil.

Especialistas defendem importância de monitoramento e fiscalização do cumprimento das metas do PNE

 

Especialistas defendem importância de monitoramento e fiscalização do cumprimento das metas do PNE Tânia Rêgo/Agência Brasil

Já Bruno Loureiro Mahé avalia que o novo PNE precisa definir melhor as metas, as estratégias e os indicadores, além de prever apontamentos de trabalho específicos da competência do Tribunal de Contas da União (TCU). Ele é coordenador de ações de controle da Auditoria Especializada em Educação, Cultura, Esporte e Direitos Humanos do TCU.

Mahé também apontou a necessidade de melhoria na elaboração e no monitoramento dos planos subnacionais. 

— O plano nacional tem que servir de guia, mas os demais entes, os estados e os municípios, têm que criar um alinhamento com o plano nacional de acordo com a realidade local ou regional. E aí se perceberam algumas fragilidades. Por exemplo, deficiências no apoio técnico prestado pelo MEC tanto na elaboração quanto no monitoramento desses planos [estaduais e municipais]. O MEC iniciou uma rede de apoio que teve um resultado positivo no início, mas, depois, ela foi sendo, de certa forma, deixada de lado. Mesmo no início, por exemplo, os entes tiveram dificuldades no diagnóstico educacional […] E o que se percebeu foi que houve falhas nesse diagnóstico educacional. Além disso, houve também falhas no desenho e na realização de monitoramento e avaliação desses planos subnacionais e também falhas no gerenciamento e na alimentação dos sistemas do MEC que tratam desse assunto.

Povos indígenas, rurais e quilombolas

Uma novidade do projeto é o Objetivo 8, que trata das modalidades de educação escolar indígena, educação do campo e educação escolar quilombola. Também prevê a produção de materiais didáticos específicos e o desenvolvimento de instrumentos de acompanhamento que considerem as identidades e as especificidades dessas populações.

Além disso, o texto propõe a adaptação do currículo e do calendário escolar de acordo com a realidade, a identidade cultural, as condições climáticas da região e as necessidades dos estudantes.

O Censo Escolar de 2022 contabilizou 3.541 escolas de ensino básico localizadas em terras indígenas (quase  2% do total de 178,3 mil escolas de ensino básico do país). Também verificou que 3.597 delas oferecem educação indígena por meio das redes de ensino.

Entre os quilombolas, estima-se que a taxa de analfabetismo seja 2,7 vezes maior que a média do Brasil: enquanto o índice nacional é de 7%, o da população quilombola alcança 18,99%.

 

Projeto contém um objetivo específico para escolas indígenas, rurais e quilombolas Jackson Souza/Pref. Boa Vista

Durante as audiências no Senado, Arlindo Baré, coordenador do Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena, destacou algumas das demandas urgentes da educação indígena: a garantia do acesso e da permanência dos alunos indígenas, desde a educação básica ao ensino superior; a prioridade orçamentária para a política de educação nos territórios étnicos, visando assegurar autonomia de gestão; e o investimento na educação digital. 

— A gente precisa promover uma educação digital para um uso crítico, reflexivo, étnico das tecnologias de informação nas comunidades indígenas. Por que eu considero isso importante? Para além de trazer coisas que já estão muito evidentes, como a precarização das escolas indígenas, muitas delas não são, de fato, escolas adequadas e, principalmente, não possuem o que seria uma estrutura educacional na concepção dos povos indígenas. Então, para além disso, garantir esse acesso vai garantir a qualidade e a permanência em todos os níveis — argumentou Baré.

Investimento

A Meta 18.a prevê a ampliação do investimento público em educação para 7% do PIB até o sexto ano de vigência do novo PNE. Para o final da vigência desse plano (ou seja, após 10 anos), a meta prevê ampliação para 10% do PIB.

 

Mas, para muitos especialistas que participaram dos debates no Senado, a meta de 7% no sexto ano é um retrocesso — considerando que o PNE atualmente em vigor já tinha essa mesma meta (7%) para 2019, e ela não foi alcançada. Atualmente, o investimento público em educação é de aproximadamente 5% do PIB.

Romualdo Portela de Oliveira, representante do Centro de Estudos Educação & Sociedade, apontou o que, segundo ele, é uma incoerência: a meta do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é semelhante às metas dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas o Brasil não investe na educação o mesmo volume de recursos que os países da OCDE investem.

— O nosso gasto por aluno é substantivamente inferior ao dos países da OCDE. E aí eu acho muito interessante que a gente estabeleça como meta do Ideb a média dos países da OCDE e não tenha nos nossos planos de educação a ideia de que temos que gastar a média dos países da OCDE por aluno. Você cria um desejo e não cria as condições necessárias para que ele venha a ser cumprido — criticou ele.

O Ideb utiliza dados sobre a aprovação dos estudantes e as médias de desempenho nas avaliações. É calculado a partir do Censo Escolar e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Seu índice, que mede o desempenho dos alunos, varia de 0 a 10. A meta atual é atingir o índice 6 — que é equivalente ao desempenho médio registrado pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), realizado pela OCDE.

Formação de professores e plano de carreira

A Estratégia 5.12 prevê políticas de formação inicial e continuada dos professores. Dessa forma, espera-se a ampliação do número de professores "com formação adequada à área de conhecimento e modalidade que lecionam".

Também se espera que a formação inicial e continuada de docentes os capacitem a atuar em turmas heterogêneas, inclusivas, e em contextos territoriais, sociais, socioambientais e culturais diversificados (Estratégia 3.6 e Estratégia 5.13).

O projeto também propõe planos de carreira para todos os profissionais da educação básica (em sua Meta 16.c). Para os profissionais do magistério, o novo PNE prevê como referência o piso salarial nacional profissional e o limite máximo de dois terços da carga horária para atividades de interação com os alunos.

Para Suzane Gonçalves, presidente da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação, o projeto deveria incluir a percepção de que os profissionais da educação são todos aqueles que atuam no espaço escolar e no ensino superior, e não apenas os professores.

O projeto prevê políticas de formação inicial e continuada de professores

 

O projeto prevê políticas de formação inicial e continuada de professores Divulgação/Pref. Fortaleza

Ela também recomendou que o novo PNE garanta que os profissionais trabalhem em suas áreas de formação. E que, além de planos de carreira, sejam realizados concursos públicos.

— Hoje a carreira docente baixa atratividade. Cursos de licenciatura têm baixíssima procura, e um dos motivos desse quadro está no fato de a carreira ser pouco valorizada, tanto do ponto de vista da remuneração quanto da previsão de crescimento [profissional]. Os dados que temos são preocupantes quando vemos, no Brasil, quase 50% dos professores em contratos temporários e precários. Isso reflete num ensino sem qualidade — argumentou.

A Meta 16.d do projeto é assegurar que, no mínimo, 70% dos profissionais do magistério em cada rede pública de ensino tenham vínculo estável por meio de concurso público até o fim da vigência do novo PNE.

Cenário atual

O Plano Nacional de Educação atualmente em vigor foi instituído pela Lei 13.005, de 2014. Esse texto previa que o Poder Executivo deveria ter enviado ao Congresso Nacional uma novo projeto para o PNE até junho de 2023.

Como isso não aconteceu, a senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO) apresentou um projeto de lei para prorrogar o plano atual até 2025. Esse projeto (PL 5.665/2023) foi aprovado pelo Congresso Nacional e se transformou na Lei 14.934, de 2024.

A proposta do novo PNE (PL 2.614/2024), elaborada pelo Ministério da Educação, foi enviada pelo Executivo em junho de 2024.

Fonte: Agência Senado

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