A VACA SINUEIRA
Vou contar a história de uma vaca já bem velha que veio num lote de gado que eu comprei no Mato Grosso, quando me aventurei na pecuária e agricultura nos idos da década de 80. É, galera: com orgulho fiz parte daquele progresso pujante do Mato Grosso!
Tá pensando que eu sou pouca merda? Kkkkk.
Mas eu não poderia deixar de citar uma música comovente que o compositor Patativa do Assaré fez. Não que eu queira me comparar ao Patativa, pois com todas as minhas graduações, especializações, mestrado e doutorado jamais chegarei aos pés daquele “semianarfa”, cujas composições eram ditadas para que os letrados cravassem no papel.
Dom é dom e não se fala mais nisso!
A propósito, Patativa (Antônio Gonçalves da Silva), ainda por mal dos pecados era cego de um olho por sequela de sarampo, possui diversas premiações, títulos e homenagens (foi por cinco vezes nomeado Doutor “Honoris Causa”).
Tá pensando que o “homi” é pouca merda também? Rss.
A música a que me refiro é “Vaca Estrela e Boi Fubá”, um lamento de um retirante das secas que sente saudades do seu tórrido sertão do Ceará:
-Seu dotô me de licença ...Pra minha história contá... Hoje eu tô na terra estranha... E é bem triste o meu pená... Mas já fui muito feliz.... Vivendo no meu lugá... Eu tinha cavalo bom... Gostava de campeá... E todo dia aboiava... Na porteira do currá...Ê, VACA ESTRELA, Ô, BOI FUBÁ... Lá eu tinha o meu gadinho... Não é bom nem imaginá... Minha linda vaca Estrela... E o meu belo boi Fubá.
Pois bem. Quando fui examinar o lote que estava comprando, refuguei a vaca velha, mas o vendedor Nego Sinésio me falou: amigo, pode levar, vai de brinde! Mas cuide bem dela, depois lhe falo o porquê.
O vaqueiro Nego Sinésio tentou esconder as lágrimas que vertiam caudalosamente dos seus olhos baixando a aba do chapéu no rosto, mas foi em vão.
Dei um abraço peito a peito em nego Sinésio e lagrimei junto. Nisso, a vaca velha Sinueira se aproximou e passo a lambê-lo, esfregando as narinas no seu corpo e empurrando levemente seu dono, enquanto isso fitava Nego Sinésio com olhos de ternura, como se quisesse dizer “não me deixe ir, eu te amo, meu dono”.
-Ela tá pedindo uma espiga de milho – disse Nego Sinésio indo no paiol. E deu para a vaca Sinueira a melhor espiga que encontrou.
Sinueira saiu alegre, triturando os grãos de milho e balançando o rabo.
No meio da boiada, veio um boi de cara preta que em homenagem ao Patativa do Assaré, eu batizei de Fubá.
Bem, não vou negar. Eu não queria gado como bicho de estimação lá no meu sítio porque tinha pouco pasto e meu interesse era meramente capitalista: criar bezerros e ganhar bufunfa.
Então montei um plano macabro para a vaca Sinueira. Bem, vou vender ela para o açougue, vai dar uns bons bifes, duros como a pêga, mas é bife! É só bater com martelo de carne e passar papaína que fica uma maravilha!
Aí eu falo pra Nego Sinésio que a cobra picou a Sinueira e tá tudo certo! Rss.
Toda vez que eu chegava no sítio com minha motocross XL 250, lá vinha a Sinueira do meio do pasto com seu sino pendurado no peito:
-Bléim, bléim, bléim, bléim....
E atrás vinha a boiada... Sinueira era a líder dos bois e até da minha égua Biscate e sua potrinha Bicicleta. Onde a Sinueira ia, seguia em fila boi por boi e logo atrás as éguas.
Você deve estar perguntando porque dei o nome de Biscate para minha égua. Bem, dei esse nome porque ela se comportava como uma biscate mesmo. Pulava a cerca, abria a tramela da porteira e ia bater pernas nos sítios dos vizinhos e na rodovia, me deixando louco... E dava mais que chuchu na cerca (Rss).
Sinueira me adotou como dono dela. Me lambia e esfregava as fuças em mim até eu dar uma espiga de milho para ela.
De tão mansa, ela deixava colocar crianças no cangote e dava umas voltinhas bem devagarinho.
E na hora do descanso após o almoço, pensa que a Sinueira voltava pro pasto?
Que nada! Sinueira ficava ali do meu lado, deitada no chão de terra batido da varanda do meu rancho, soltando os tradicionais puns.
Não é piada não, mas a produção de carne bovina por causa do pum de vaca é acusada de ser mais responsável pelas emissões de gases de efeito estufa do que os carros. A digestão pelo gado resulta na liberação de gás metano (CH4) na atmosfera, que ameaça a camada de ozônio.
Pô! A Sinueira peidava muito, peidava prá carvalho! Kkk. Acho até que os ambientalistas radicais estavam certos!
Esses verdinhos xiitas são contra a pecuária, mas adoram uma picanha. Mas não a picanha barata do Lula: essa vai demorar! A menos que o Lula vá laçar boi no pasto que nem o Sarney! Se ele fizer isso, avisa ele prá não enroscar o laço no chifre. Rss.
Naquela época eu não sabia dessa ameaça ambiental, senão seria um motivo irrefutável para pendurar a Sinueira nos ganchos do açougue: os puns letais! (Rsss).
Quando eu pegava a motocross e ia dar um rolê pelo pasto, a Sinueira ia atrás tocando seu sino. Depois daquele sol de lascar o cano da espingarda, eu ia me refrescar no riacho de águas cristalinas.
E lá ia a Sinueira com a tropa beber e sujar minha praia. Kkk.
Para finalizar a história, nunca tive coragem de abater a Sinueira. Pelo contrário, comprava vacinas, rações e vitaminas da melhor qualidade para ela, que tinha um tratamento vip no Sítio Pinguim.
Alguns anos depois, resolvi ser gauche na vida, abandonei aquele meu paraíso encantado e fui buscar um diploma na Cidade Maravilhosa. Maravilhosa? Errh, não é tão maravilhosa assim, né!
Vendi o sítio de porteira fechada e ao entregar as chaves para o comprador, o velhinho leiteiro Laerte do Val, repeti a mesma ladainha do Nego Sinésio.
Enquanto eu falava, Sinueira veio me lamber e ao olhar para ela, tive a impressão que seus olhos derramavam mais lágrimas que os meus...
Ê ê ê, vaca Sinueira, ô ô ô, boi Fubá.