As senhoras das águas e do sol: a preocupante privatização do saneamento básico e energia no Amapá

As senhoras das águas e do sol: a preocupante privatização do saneamento básico e energia no Amapá


A Equatorial é quem manda  nas águas e no sol do Amapá, após o Con- sórcio Marco Zero (Equatorial Energia e SAM Ambiental) ter arrematado por R$ 930 milhões a con- cessão de água e esgoto das cidades sede dos 16 municípios do Amapá, pelo prazo de 35 anos.

Ora, ora.... não sejamos inocentes....

Alguém vai ter que pagar essa conta....

Adivinha quem? Dou um pirulito pra quem acertar (rsss).

As tarifas foram aumentadas estupi- damente, mas água que é bom, nem tchum nem tchibum! Você continua re- cebendo aquele barrinho que eles cha- mam de água potável e até agora não aumentaram a rede, não vi nenhum cano de água a mais!

Alô, bairros Marabaixo I, II, III, IV, V...”n”:já chegou alguma torneira da Equatorial/CAESA?

Por favor, se chegou me avisem que eu quero ir aí tirar uma foto e comemo- rar com um bolo bem gostoso, do tama- nho daquele que o Prefeitão fez lá e a galera encheu as mochilas! Kkkk.

Ah! Tenho uma boa notícia para você que tem poço: a CAESA/EQUATORIAL vai cobrar a água que você pega do seu buraco (rssss) contaminado pelos coli- formes fecais da fossa negra do vizinho (e da tua), a?nal eles são os donos das águas do Amapá.

Não fazem a lição de casa colocando água potável na torneira da sua casa e você não tem alternativa senão furar um poço para não morrer de sede. Mas tem que pagar, a?nal você não é dono de nada, nem do seu nariz.

Mas não se apoquente se alguém rir da sua desgraça, porque quem colocar painéis solaresvai ter que pagar tam- bém pela luz do sol, porque agora as operadoras de energia também se EN- TITULAM AS DONAS DO SOL.

Daqui a pouco se você se bronzear na beira da piscina vai ter que pagar pelos raios ultravioletas e se der câncer de pele no teu couro, dane-se você, por- que eles não têm responsabilidade pelo produto (rsss).

Para não dizer que não falei das ?o- res, há algum tempo, já profetizando, eu questionei o fato de dois dos mais essenciais serviços estarem na mão de uma única empresa? Criaram uma ser- pente de duas cabeças, um monopólio curioso das águas e do sol!

Loguinho o consórcio arremata tam- bém o serviço de telefonia e a luz do luar (kkkk).

Aparentementea privatização é a so- lução diante da carência do Estado em fazer investimentos pesadíssimos no setor.

Mas se você estudar a história da pri- vatização do saneamento no Brasil, a partir do ?nal do século XIX (1892) e começo do século 20, verás que foi ma- lograda essas experiências privatísti- cas no setor.

A formação do direito de sanea- mento básico no Brasil remete-nos ao período de colônia, quando não havia interesse de Portugal nas questões sa- nitárias, senão a exploração dos nossos recursos naturais (ouro, pedras precio- sas e pau brasil, essencialmente).

O surgimento das cidadescoincide com a história do saneamento. No iní- cio do século XIX a água era fornecida em bicas e fontes sob a responsabili- dade de cada povoado, cenário este que mudou com a transferência da família real para o Rio de Janeiro em 1808, com obras mínimas de abastecimento. Com o aumento do ?uxo migratório os problemas se agravaram, o que levou o Estado a assumir o saneamento e transferi-lo à ordem privada, sendo quase todas eram empresas inglesas (Porto Alegre, Fortaleza, Recife, São Paulo, Belém e São Luís), exceto o Rio de Janeiro que estatizou.

Eis as empresas e as experiências:

  1. The Rio de Janeiro City Improve- ments Company Limited: concessão foi instituída em 1892 e ?nda em 1947. As primeiras obras de esgotos foram ini- ciadas em 1853, antes mesmo da assi- natura do contrato, inauguradas em 1864. Rede de abastecimento iniciada em 1876 e terminada em 1878, com ape- nas 10% dos prédios ligados;
  2. Recife Drainage Company: sua concessão foi instituída em 1873 e ter- minou em 1908, diante do atendimento reduzido e precário;
  3. Companhia Hydráulica Porto Ale- grense: início da concessão em 1861, mas só operou em 1866, atendendo a pouquíssimos usuários;
  4. Cia. Cantareira de Águas e Esgoto: sediada em São Paulo e organizada por empresários paulistas em 1877, tornou- se empresa de economia mista em 1878 e foi encampada em 1893;
  5. Cia. das Águas do Grão Pará (capi- tal inglês): concessão em 1881 e ao ?nal de 1884 atendia apenas a 500 prédios. Os serviços eram controlados por in- gleses, juntamente com luz, tração e prensa de algodão;
  6. Ceará Water Works Company Li- mited: concessão em 1887 e desempe- nho pí?o.

A história do saneamento sempre es- teve ligada à saúde pública, como por exemplo, sob o governo Rodrigues Alves (1902-1906) e conduzidas por Pe- reira Passos e Oswaldo Cruz, mas que se limitavam à esfera dos domicílios.

Isso marcaa conscientização pelos gestores públicos da relação entre as doenças e a falta de saneamento bá- sico, tornando-se de interesse coletivo os aspectos sanitários e econômicos.

Assim, no ?nal do século XIX im- planta-se o saneamento e editam-se normativos setoriais, mas a ine?ciên- cia dos serviços de abastecimento de água e esgoto somada às reclamações populares levou à encampação das concessões privadas pelo Estado.

A partir de 1910, muda-se a política de saneamento, buscando os Estados o apoio da União, vez que não conse- guiam resolver seus problemas sanitá- rios.

Na década de 1930, apesar da crise mundial, deu-se continuidade ao pro- cesso de institucionalização da política de saúde pública e os serviços de sa- neamento passaram por um novo pro- cesso de centralização.

Nas décadas de 1940 e 1950 os servi- ços passaram para os municípios, com a criação dos Departamentos de Água e Esgoto (DAE’s) e Serviços Autônomos de Água e Esgoto (SAE’s), que recebiam recursos insu?cientes e irregular- mente.

A partir de 1941, o Governo Federal passa a assumir o papel de coordena- dor e ?scalizador, enquanto que as ações foram relevadas para os estados e municípios, o que mudou o arranjo da política sanitária.

Sob a égide da CF/46, a Lei Federal n. 819/49 criou o regime de cooperação para execução de obras de saneamento entre a União, estados, municípios e pessoas jurídicas de direito privado.

Mas surgiram as críticas em decor- rência da burocracia do poder centra- lizado no período de 1910 a 1945.

A partir da segunda metade do sé- culo XX, ocorreu um período de tran- siçãoentre o modelo de gestão centralizado e serviços de natureza au- tônomacom distanciamento dos seto- res de saúde e saneamento, surgindo novas diretrizes buscando maior liber- dade no setor.

Até 1968, o Estado adotava um mo- delo institucional público privado, de- legando           às            concessionárias estrangeiras a prestação de serviços públicos e passou a intervir no setor a partir do Código de Águas (1934), que nacionalizou e estatizou aquelas em- presas e criou, em 1942, o precursor da Fundação Serviço Especial de Saúde Pública – FSESP, atual FUNASA.

Seu objetivo era implantar sistemas de saneamento básico nos municípios mais pobres e regiões subdesenvolvi- das, para reformular o DNOS e o De- partamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS).

Na década de 1960 já existiam orça- mentos voltados para programas de sa- neamento, mas sem a devida efetividade. Algumas medidas no setor podem ser consideradas marcos de uma nova política, como a criação do BNH que passou a gerir a partir de 1968 o Sistema Financeiro de Habitação e o Sistema Financeiro de Saneamento.

Com a criação do FGTS em 1966, os recursos desse fundo foram destina- dos para ?nanciar a política habitacio- nal e, a partir de 1969, aplicá-los em saneamento e deu-sea incumbência ao Ministério do Interior para formular e implantar uma política nacional para o saneamento, logo delegada ao BNH.

Em 1965, como fruto do acordo com os EUA, por meio do DNOS e USAID (United States Agency for International Development), foram criados o Fundo Nacional de Financiamento para Abas- tecimento de Água e o Grupo Executivo de Financiamento (GEF), mas com re- sultados limitados vez que no biênio 1965/1967 foram atendidas somente 21 cidades no Brasil.

Naquela década de 1960, é bom que se frise, o Brasil ?gurava em derradeira posição nos índices de saneamento bá- sico na América Latina, com menos de 50% da população urbana atendida pelo abastecimento de água.

Foram elaborados estudos para o Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social (1967/1976), que serviram de base para de?nições de políticas públicas, na área de sanea- mento, não executados pelo governo Costa e Silva (1969), o qual criou o Pro- grama Estratégico de Desenvolvimento (período 1967-1970), substituído pelo Plano Metas e Bases para Ação do Go- vernoMédici, ambos com diretrizes bá- sicas e estratégias no setor.

A Lei 5.318/67 estabeleceu uma polí- tica nacional de saneamento básico e criou o Conselho Nacional de Sanea- mento, de atuação tímida.

Em suma, o período de 1945 a 1969 foi de estatização e autossustentação tarifária, no qual ?cou evidente a inca- pacidade de gestão municipal na área de saneamento.

Em 1971, foi instituído o Plano Nacio- nal de Saneamento – PLANASA, um modelo centralizado de ?nanciamento de investimentos em saneamento bá- sico, com a criação obrigatória das companhias estaduais (e federais nos territórios) de saneamento básico (CESB), condição sem a qual os muni- cípios não tinham acesso a recursos ?- nanceiros.

Em função dessa obrigatoriedade, foram criadas 27 CESB, com prazos de concessão de 20 a 25 anos. A meta do plano era atender a 80% da população urbana e 50% do seu esgotamento sani- tário

O PLANASA foi criado porque rei- nava um cenário crítico no setor de sa- neamento, como baixa cobertura de serviços, clientelismo, paternalismo ta- rifário, incompetência técnica e desar- ticulação institucional. O Plano entendia que os municípios não seriam capazes de gerir os serviços e nem ti- nham autossustentação, por isso deve- riam transferi-los às CESB.

A partir da década de 1970, as carac- terísticas dominantes foram o atendi- mento às populações urbanas e distanciamento da saúde pública, com as mazelas dos desníveis sociais, dese- quilíbrios e marginalização das áreas rurais e periferias urbanas.

Sob a presidência de Collor de Mello (1990/1992) foram observados novos e discutíveis rearranjos institucionais. O PLANASA foi extinto em 1992 e daí houve um hiato nas políticas públicas de saneamento, passando “in albis” no Governo FHC sendo retomadas so- mente no Governo Lula, com a criação do Ministério das Cidades.

A despeito de todas as circunstân- cias, o PLANASA foi considerado exi- toso. Apesar de não atingir suas metas de 90% em abastecimento de água e de 65% em esgotamento sanitário até o ano de 1990, teve o mérito de elevar a cobertura de água em área urbana de 45,7% (1971) para 86% (1991) e a rede de esgotamento sanitário em área urbana de 24% (1971) para 49% (1991).

Nessas circunstâncias, na década de 1990 a sociedade brasileira conscienti- zou-se da necessidade de novos mode- los para o saneamento básico, reconhecendo a di?culdade de opera- ção dos programas então existentes.

Demorou em torno de um século para que o Brasil formatasse um marco regulatório no saneamento básico, na busca por uma gestão no setor no qual se almeja uma nova dimensão institu- cional nos serviços, mediante uma integração intersetorial, intergover- namental e participação do setor pri- vado.

OPLANASA embora centralizador, serviu de paradigma para a nova LDNSB (Lei de Diretrizes Nacional do Saneamento Básico), pois foi exitoso e sua desestruturação se deu por moti- vos exógenos, tais como recessão dos anos 1980, endividamento e a volatibi- lidade dos instrumentos regulatórios e dos órgãos com atribuições para gerir o sistema.

As experiências privatistas do início do século XX não deram certo porque não havia uma regulação no setor e partia-se do pressuposto de que os ser- viços de saneamento eram “negócios” e não política pública governamental de caráter social.

Apesar de um contexto econômico, social e político totalmente diverso de hoje, a história ensinou que a participa- ção privada não é panaceia, porque os altos investimentos necessários para a universalização dos serviços não têm as taxas de retorno exigidas pela mola mestra do capitalismo: o lucro.

E é isso que me preocupa: ¼ da popu- lação amapaense está abaixo da linha da pobreza; dados do SNIS apontam que menos de 40% da população tem acesso à água tratada e menos de 10% tem rede de esgoto.

Enquanto o índice de perda de água na distribuição em nível nacional é de 36,9%, no Amapá a perda atinge o estra- tosférico percentual de 71,9%, cujas causas são a falta de micromedição de consumo (ausência de hidrômetros), vazamentos na rede distribuidora de água, ligações clandestinas etc.

Outro problema endêmico é a alta taxa de inadimplência, mas não se preocupe porque as empresas privadas metem os caloteiros no Serasa e a par- tir da instalação do hidrômetro para todos, vão lá e cortam o serviço essen- cial.

As privatizações proporcionam em tese (eu disse EM TESE. Tá ligado? Kkk) o aumento da e?ciência dos serviços e aliviam o orçamento público com in- vestimentos privados.

Em tese (repito: eu disse EM TESE) as privatizaçõestêm como objetivo re- duzir a pobreza, dando acesso aos ser- viços públicosà camada menos favorecida.

Mas na realidade há quem argu- mente que a privatização pode fomen- tar a pobreza, porque as empresas maximizam os lucros em detrimento do bem-estar social, deixam de investir em longo prazo os vultosos valores e na relação com os clientes descartam os inadimplentes.

As concessionárias privadas tendem, na área de saneamento e energia, ex- pandir a instalação de medidores e meios de cobrança, sem aumentar as conexões e investir na rede infraestru- tural.

Em alguns estados e municípios ricos a privatização deu certo. Mas no Amapá, que está no “rabo da cobra” em termos de IDH e participação do PIB Nacional, será que vai vingar?

Bem, vou imitar o palhaço dublê de parlamentar Tiririca: pior que está não ?ca!

Aliás, pode piorar sim: porque se não melhorar a prestação dos serviços, te- remos a mesma porcaria de sempre mas custando os olhos da cara!

E prepara o bolso porque daqui uns dias os Deuses do Olimpo Candango batem o martelo do aumento e a corda sempre arrebenta do lado mais fraco.

Vai reservando aí a “pecunia nume- rata”, “mermão”!

Ah! Antes que eu me esqueça: estão cobrando taxa de esgoto (+/- 60 pilas por domicílio), mas você já viu algum cano de esgoto na sua rua? Melhorou a qualidade da energia? Continua aque- les apagões no seu bairro?

Eia, serpente de duas cabeças!


Dr. Adilson Garcia

Dr. Adilson Garcia

Fórum Íntimo – professor doutor em Direito pela PUC- -SP, advogado e promotor de justiça aposentado.



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