A LÓGICA DA PRODUÇÃO TECNOLÓGICA

A LÓGICA DA PRODUÇÃO TECNOLÓGICA


A história da humanidade pode ser contada a partir da evolução da capacidade humana de transformar conhecimentos em tecnologia. A impressão que se tem, com alto grau de probabilidade de acerto, é que nos primeiros estágios civilizatórios conhecimento e a sua transformação em algum tipo de artefato parecem acontecer de forma quase que simultânea. Ao mesmo tempo em que o macacóide vê as filas de formigas entrando e saindo de uma toca incrustada em algum tronco de árvore e um pequeno galho ali ao lado, seu cérebro parece vincular um ao outro. E aquilo que era apenas um objeto caído ao chão, desvinculado das formigas, se transforma em um equipamento culinário fundamental. Talvez os galhos de árvores para tirar formigas dos buracos tenham sido um dos primeiros artefatos tecnológicos utilizados na alimentação pré-humana. É decorrente dessa ancestralidade a história que queremos contar ao longo dessa centena de artigos que estão programados: que conhecimento, hoje, só tem sentido se for transformado em algum tipo de artefato, físico ou extrafísico. E, mais do que isso: existe um esquema lógico para isso, que qualquer pessoa pode aferir.

Uma coisa lógica é algo que tenha sentido. Nesse particular, ser lógico é ter sentido, entendido no sentido (com o perdão da redundância) de ser compreensível. Assim, sentido, lógica e compreensão são aspectos diferentes do mesmo fenômeno, que é essa coisa que acontece no cérebro das pessoas (e de muitos animais, se não de todos) e adentra seu corpo mental. Assim, cérebro e mente, dimensão física e extrafísica das realidades, trabalham juntos para formar o entendimento. E entender, do mesmo campo semântico da compreensão, significa justamente isso: compreender como determinada coisa funciona, saber seu sentido, entender sua lógica. Isso significa que o conhecimento tem uma lógica, assim como a produção tecnológica. As tecnologias não nascem do acaso. Elas têm vários sentidos e várias lógicas, passíveis de serem traduzidas em um esquema perfeitamente compreensível por qualquer pessoa.

Iremos apresentar aqui um método, que é uma forma de sequenciamento lógico que leva a determinado fim, que conjuga a produção de conhecimento do tipo científico com a sua transformação em tecnologia. Na verdade, são dois métodos distintos que foram integrados, tornando-os uníssonos e interdependentes. O primeiro é o método científico, de que muita gente fala e pouquíssimos são os que conseguem aplicá-lo e gerar, com essa aplicação, conhecimentos cientificamente válidos. O segundo é o método tecnológico, que, a bem da verdade, não existe. É uma proposta de invenção nossa, que já está sendo testada em várias instituições nacionais e internacionais com sucesso e que teve como ponto de partida as diversas sistematizações de desenvolvimento de novos produtos do campo das engenharias, mais propriamente da engenharia de produção. A figura 1 mostra as duas dimensões de uma possível proposta de método para a produção tecnológica.

Chamamos à conjugação desses dois métodos, antes separados, de método científico-tecnológico ou simplesmente MC-T, assim, com um hífen entre as duas últimas letras. Aliás, alguns usuários do método já o chamam assim. A primeira etapa é sempre a aplicação do método científico, tanto para a geração de novos conhecimentos quanto apenas para a coleta e organização dos que já existem para depois serem manuseados. Quando os conhecimentos são preexistentes e são de base textual, criamos uma sistemática de organização e geração de resultados denominado “método bibliográfico conceitual”, porque textos lidam com conceitos. Aliás, todo o discurso da ciência é um discurso sobre conceitos feitos com conceitos, o que é uma coisa complicada para quem não é da área.

Como as fontes das matérias-primas do MC-T são conhecimentos científicos, não é muito adequado utilizá-lo a partir do manuseio de outras fontes. A não ser que façamos o tratamento científico delas. Assim, por exemplo, podemos tratar cientificamente conhecimentos de ordem filosófica, gerando conhecimentos científicos sobre os conhecimentos filosóficos, para só então manuseá-los e transformá-los no artefato desejado. Esse método tem essa característica fundamental: ser baseado em conhecimentos científicos.

Sua segunda dimensão é de natureza operacional, que denominamos “tecnológica” porque o resultado é sempre uma tecnologia. Da mesma forma que produto da primeira dimensão é o conhecimento científico, a aplicação dessa segunda dimensão é o encapsulamento daquele conhecimento gerado na dimensão anterior. O que antes era extrafísico, como todo conhecimento o é, se faz físico através do seu encapsulamento. O desafio da segunda etapa do método, portanto, é encontrar uma forma de encapsular o conhecimento por algum meio que lhe permita o manuseio. Softwares e aplicativos, por exemplo, são materializações físicas (através de um celular) e extrafísicas (esquemas lógicos e equações matemáticas) de conhecimentos. Como será mostrado aqui, esta segunda etapa começa sempre com um protótipo e culmina com a aprovação do protótipo e sua liberação para uso do público-alvo, clientes ou usuários, a que se destinou ou o solicitou.

É assim que se encontra hoje o estágio evolutivo humano. Descobrimos como gerar conhecimentos e como transformá-los em coisas que nos interessam tanto para suprir nossas necessidades como para resolver nossos problemas. Somos capazes de vincular uma coisa aparentemente tão distante da outra com grande facilidade. Aliás, quanto maior a capacidade humana de produzir conhecimentos válidos de áreas distantes e vinculá-los, fazê-los interagir, maior será a tendência de genialidade. E olhem que coisa interessante: aqueles primeiros estágios evolutivos foram se acelerando de uma forma tal que, quando mais simultâneas estiverem aplicação da geração do conhecimento, maior é a sua potência tecnológica.


Dr. Daniel Nascimento e Silva

Dr. Daniel Nascimento e Silva

PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)



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