A DUALIDADE CIÊNCIA E TECNOLOGIA

A DUALIDADE CIÊNCIA E TECNOLOGIA


A ciência, e os demais tipos de conhecimento, e a tecnologia são dois mundos distintos e que não podem ser confundidos. Cada um deles tem sua missão e procedimentos diferentes de cumpri-las. Naturalmente que outras importantes distinções existem e precisam ser conhecidas. No entanto, neste momento, suas dimensões teleológicas (palavrão utilizado para significar a finalidade de alguma coisa) e metodológicas (outro palavrão que significa a forma através da qual alguma coisa é feita) são o que nos interessa aqui. Neste particular, ciência e tecnologia são separadas, produzem coisas diferentes e procedem de maneiras diferentes. Como será mostrado, têm, então, naturezas teleológicas e metodológicas distintas. Contudo, ao longo da história da humanidade, foi o desenvolvimento de uma que levou à evolução da outra e vice-versa. Isso nos leva à inferência de que quanto mais desenvolvida e robusta for a ciência, mais robusta tende a ser a tecnologia; quanto mais forte for a tecnologia, mais forte tende a ser a ciência. Por que isso acontece?

A tradição tem apontado a existência de quatro tipos de conhecimentos: científico, filosófico, religioso e do senso comum. Não é difícil de entender que essa é uma visão bastante simplista e limitada. Na verdade, há praticamente uma infinidades de tipos e nenhum deles parece poder ser isolado. Há conhecimento religioso na ciência, filosofia e senso comum, assim como há senso comum na ciência, filosofia e religião. É importante que isso seja explicitado para que se compreenda com relativa precisão o que entendemos por ciência, uma vez que mesmo entre os cientistas essa não é uma tarefa fácil de delimitação.

Ciência é um tipo de conhecimento que tem no método científico sua principal diferenciação. Tautologicamente (coisa que a ciência não admite, que é falar a mesma coisa de outra forma novamente), o que faz um conhecimento ser científico é a aplicação do método científico. Com nova tautologia, todo conhecimento adquirido sem o uso do método científico não pode e não é considerado científico. Naturalmente que quem define e decide acerca do método científico é a comunidade científica. Mas propriamente o grupo de pesquisadores e cientistas (duas figuras importantes e diferentes, como veremos no futuro) que fazem parte de determinada comunidade. Mais precisamente, uma comunidade científica é uma área em que algumas pessoas atuam na geração de conhecimentos, como a educação, gestão ambiental, física de partículas e assim por diante. Há, portanto, grandes e pequenas áreas, conforme for a especialização, maior ou menor.

Estamos chamando de conhecimento a todo e qualquer tipo de explicação. E uma explicação, por sua vez, é toda explicação acerca de qualquer coisa. Quando alguém diz que “isso é uma porta” e que “porta é um objeto que permite a comunicação entre dois ambientes” está explicitando dois conhecimentos. De forma genérica, portanto, todo conhecimento é um discurso acerca de alguma coisa. E todo discurso é a tentativa de expressar uma “verdade”, que, na ciência, é quase sempre relativizada. É uma tentativa porque o ser humano é incapaz de expressar com precisão tudo o que tenta e quer expressar.

A tecnologia, por outro lado, não é um tipo e nem uma área do conhecimento. Mas, de forma paradoxal, está presente, em maior ou menor grau, em todos os tipos e áreas. A tecnologia, de forma sintética, é conhecimento encapsulado, aprisionado, utilizado para alguma finalidade. Não há tecnologia, portanto, sem uma natureza teleológica (um palavrão que significa simplesmente finalidade, uso). A comunicação via satélite é uma tecnologia. Para que ela fosse possível, para que se materializasse, foi necessário aprender como manusear uma série de conhecimentos, uma série de explicações sobre diferentes áreas do conhecimento, desde a semiologia e semiótica até a matemática e ciência dos materiais. Esses conhecimentos permitiram a construção de equipamentos e máquinas que, por sua vez, levaram ao manuseio de outros conhecimentos mais abstratos, como os feixes de diferentes ondas.

De fato, a tecnologia em si não pode ser vista. O que se veem são os encapsulamentos, os artefatos físicos onde os conhecimentos estão aprisionados. Um satélite é um artefato físico onde conhecimentos estão aprisionados, encapsulados. Da mesma forma, um aparelho de televisão é outra forma de encapsular uma série de conhecimentos também de diferentes áreas do conhecimento. Indo um pouco além, poderíamos dizer que a tecnologia é o produto da habilidade humana de manusear conhecimentos, não importando qual o tipo e nem a sua origem. É por isso que a produção de fogo por atrito inventada pelos povos da idade da pedra é uma tecnologia. Antiquada, mas é uma tecnologia. E não é de base científica, porque a ciência é uma invenção moderna.

Mas a tecnologia precisa da ciência. A ciência é sua fornecedora de matéria-prima, para utilizar uma linguagem da área de logística. E a cada dia que passa a ciência tem se transformado na fornecedora de conhecimentos mais confiáveis e consistentes (dois outros palavrões que serão conhecidos futuramente), principalmente porque o método científico tem adentrado os tipos de conhecimentos conhecidos e permitido conhecer novos outros, como os conhecimentos espirituais, que é completamente diferente do religioso, por exemplo.

Assim, ciência e tecnologia são campos duais. Mas não de forma perfeita. Algo é dual quando tem em si duas coisas ao mesmo tempo. A explicação científica, por si só, já é um tipo de tecnologia, que podemos chamar de compreensiva. Assim, todo discurso científico é uma tecnologia compreensiva. Da mesma forma, todo artefato tecnológico é uma demonstração visual da consistência e confiabilidade (novamente os outros dois palavrões) do conhecimento científico. E, como toda demonstração, também é um discurso. Só que um discurso com outros tipos de simbologias. Assim se manifesta a dualidade: ambos são discursos, ambos têm natureza teleológica.


Dr. Daniel Nascimento e Silva

Dr. Daniel Nascimento e Silva

PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)



O que achou deste artigo?