UM NECESSÁRIO MÉTODO TECNOLÓGICO

UM NECESSÁRIO MÉTODO TECNOLÓGICO


Apesar de toda a diversidade de tecnologias que caracterizam o nosso tempo, ainda não há um método validado, como o da ciência, para a geração de tecnologias. No caso da ciência, não importa se a área seja eminentemente matematizada, com a própria matemática, ou majoritariamente não matemática, como é o caso da linguística, inicia-se pela observação, prossegue com a elaboração de questões, continua com a formulação de hipóteses, segue com o teste das hipóteses, depois vem a criação de um esquema comunicativo para ser submetido à avaliação e validação por parte da comunidade científica, tornando-se efetivamente conhecimento científico. Contudo, se analisarmos detidamente como cada tecnologia de base científica é gerada percebe-se uma certa similaridade entre esses diferentes processos, desde a construção de uma nave espacial à roteirização de uma sequência pedagógica. É por essa razão que se pode até achar estranha a inexistência de um método tecnológico.

A geração de uma tecnologia começa com a observação de alguma necessidade. Além de ser o ponto de partida de quase todas as tecnologias, o suprimento de necessidades também é uma das características do que chamamos tecnologia, ou seja, não há tecnologia que não seja para suprir determinada necessidade. Algumas vezes, aliás, o processo de descoberta de uma necessidade segue padrões aceitos cientificamente, como é o caso das pesquisas de mercado, cujos procedimentos válidos são amplamente aceitos e utilizados com sucesso. A tecnologia, portanto, é o produto oriundo da busca de suprimento de uma necessidade específica. O GPS, por exemplo, foi gerado a partir da necessidade de localização sincrônica e dinâmica. É aqui que são identificados os atributos (características), funcionalidades e demais informações que orientarão a geração da tecnologia.

Após a detectação da necessidade a ser suprida, a etapa seguinte parece ser a de saber o que se sabe sobre a demanda e suprimento. Muitos cientistas utilizam os bancos de patentes com esse intuito, dado que pode existir a tecnologia e ela não ser conhecida do público-alvo. Quando os produtos existem, se concentram na melhoria e aperfeiçoamento de uma solução superior; quando não existem, estudam com profundidade as informações sobre demanda e suprimento coletadas no estágio anterior com duas finalidades. A primeira é recolher todo o conhecimento disponível e saber quais são os conhecimentos que existem e que não estão disponíveis e quais são os que não existem. Para os não estão disponíveis, cria-se uma estratégia para disponibilizá-los; para os inexistentes, elaboram pesquisas para produzi-los.

É na segunda etapa que o processo de geração de tecnologias utiliza os procedimentos científicos. O método da ciência é que proporciona aos cientistas a coleta dos conhecimentos existentes, tanto nas bases de dados científicas quanto tecnológicas, e também na produção dos conhecimentos que não existem. Para produzir um painel de controle de evasão escolar, reuniram-se os conhecimentos científicos sobre a) o que é evasão, b) as causas da evasão, c) consequências da evasão, d) o que é painel de controle, e) quais as partes de um painel de controle, f) como funciona um painel de controle e g) como produzir um painel de controle. Os conhecimentos inexistentes eram os relativos às causas da evasão na instituição, dinâmica das causas da evasão e desdobramento da evasão, gerados a partir de uma pesquisa científica.

Quando os conhecimentos existentes se juntam aos conhecimentos inexistentes, a tecnologia já pode ser gerada. É aqui que começam as etapas da materialização da solução. Até agora os cientistas têm apenas conhecimentos, esquemas lógicos sobre os diversos aspectos da solução a ser inventada. Quando esses diversos esquemas lógicos são unidos, da forma como fazemos com os quebra-cabeças, têm-se o que a engenharia de produtos chama de Estrutura Analítica do Produto (EAP). A EAP é a primeira fotografia da tecnologia. É um desenho do que se passa na cabeça dos cientistas e que guiará a produção do artefato material. De forma metafórica, o que está na cabeça dos cientistas (a solução) é materializada primeiro através de um desenho.

Em seguida os cientistas começam a produzir cada peça, cada parte, cada componente da tecnologia, para a geração do protótipo, conforme o desenho preliminar, a EAP. Quando a primeira versão está pronta são feitos diversos e diferentes testes, para ver se a tecnologia apresenta os benefícios pretendidos para o suprimento da necessidade do seu público-alvo. A razão disso é que pode acontecer de a solução desenhada não funcionar do jeito que se quer. Por essa razão a EAP é alterada constantemente. Todas as vezes que os benefícios pretendidos não forem verificados a EAP é alterada, ajustando-se o protótipo. Testes, retestes, ajustes e reajustes são feitos contínua e sucessivamente até que cada benefício pretendido esteja garantido. É neste estágio que o protótipo é considerado aprovado e promovido à categoria de produto final ou simplesmente tecnologia. É por isso que dizemos que uma tecnologia é um produto que foi aprovado em todos os testes de atributos.

Esse processo geral é aplicado de forma diferenciada, dependendo, naturalmente, do produto que se queira gerar e da demanda. Se o produto é complexo, a parte de conhecimentos leva mais tempo, principalmente a de conceito (o desenho, a cara do produto) e do seu escopo executivo (componentes, funcionamento e conexões). Se o produto tiver que concorrer com outros, estudos mais robustos têm que ser realizados sobre o mercado, especialmente sobre os canais de fornecimento e distribuição e seus consequentes impactos sobre a qualidade e o preço ao consumidor.

Um suposto método tecnológico necessário precisa aliar diferentes áreas do conhecimento em um esquema lógico comum. Algumas dessas áreas são o marketing (não confundir com propaganda), engenharia de produtos, engenharia de produção, logística, finanças, economia, modelagem matemática e estatística, design e programação. Talvez seja por isso que um tal método universal ainda não tenha sido aprovado e validado.


Dr. Daniel Nascimento e Silva

Dr. Daniel Nascimento e Silva

PhD, Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)



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