COLETA DE DADOS E TEORIA
Existe um esquema lógico que vincula uma teoria ou esquema teórico com os procedimentos de coleta de dados. Devido ao desconhecimento desse vínculo, é muito comum que se encontrem pesquisadores que tenham imensas dificuldades em construir instrumentos de coleta de dados. O fato é que é a teoria que orienta tanto a construção do instrumento de coleta de dados quanto o seu próprio conteúdo. De forma sintética podemos dizer que um instrumento de coleta de dados é um arranjo ou arquitetura teórica pronto para ser testado. Se uma teoria científica é um tipo de explicação, feita através do uso do método científico, e se uma arquitetura teórica é o ponto de partida de construção de uma nova explicação da realidade, elaborada a partir de esquemas mentais cujos insumos foram obtidos da literatura, o instrumento de coleta de dados é a sua materialização. De forma analógica, quando olhamos um instrumento de coleta de dados estamos materializando um esquema mental, extrafísico. Vamos esclarecer aqui esse vínculo de teoria e coleta de dados.
As teorias são explicações sobre o comportamento das coisas que existem na realidade. Algumas dessas coisas são construções feitas (logo são imateriais, extrafísicas) a partir do que constatamos na realidade, os chamados constructos. O desafio da ciência, talvez o primeiro deles, é o de tentar fazer uma fotografia daquilo que se quer conhecer. Custo logístico, por exemplo, é fenômeno que se pode atestar sua existência. O primeiro desafio da ciência é dizer o que é custo logístico (amplitude e profundidade), como ele se comporta e por que ele se comporta dessas formas. O segundo e demais desafios são a vinculação desse fenômeno com outros, como a influência dos custos logísticos nos impactos ambientais e assim por diante.
Esses desafios acontecem geralmente de forma crescente, que atesta um tipo de progresso da ciência. Começam com a identificação das partes para a compreensão do escopo do fenômeno através de estudos exploratórios, prosseguem com os estudos associativos, para saber o que uma coisa tem a ver com a outra, e culminam com as pesquisas relacionais, que medem causa-efeito. Para cada tipo de investigação há que haver uma sistemática de construção dos instrumentos de coleta de dados. Estudos exploratórios são construídos de um jeito diferente do que se faz com os estudos associativos e relacionais.
Os estudos exploratórios visam a descobertas de elementos componentes do fenômeno sob investigação, uma vez que o desafio dessas pesquisas é a completude de uma espécie de fotografia ou mosaico a partir de suas partes. Os estudos associativos podem conter apenas elementos do fenômeno que já foram descobertos, mas cuja confirmação de que aparecem juntos e que fazem parte do mesmo fenômeno ainda exige demonstrações. Já os relacionais podem tanto conter elementos do próprio fenômeno quanto elementos de outros: se apenas elementos internos, a finalidade é uma; se elementos de outros fenômenos, a finalidade é outra. O que importa é que se saiba que esses elementos não são inventados pelo pesquisador. São todos originários da literatura, com exceção dos estudos exploratórios, evidentemente.
Daí vem que um questionário, por exemplo, pode ser organizado nas seguintes partes: preâmbulo (subdividido em vocativo, explicações sobre o estudo e orientações de preenchimento), questão de controle (para saber se o respondente faz parte da população), questões demográficas (sobre as características fundamentais do indivíduo de onde se coletarão os dados) e questões explicativas (que são originárias da estrutura explicativa da ciência). As questões explicativas são perguntas ou afirmativas para serem avaliadas feitas em conformidade com as dimensões e categorias analíticas dos fenômenos sob investigação. Se um fenômeno tem cinco dimensões analíticas (partes) e cada qual tem dez variáveis (categorias analíticas), o instrumento deverá ter 50 questões!
A razão disso? Simples: um questionário é a materialização de um corpo teórico que será submetido a teste. Quando se pretende organizar os conhecimentos sobre os elementos já conhecidos, realizam-se estudos de agrupamentos. É o que acontece, por exemplo, nas questões que começam com “Quais são os fatores...?”. Um fator é um agrupamento de variáveis. Quando nos colocamos essas questões queremos saber quantos fatores, dentre um grande número de variáveis, podem ser formados com os elementos conhecidos de determinado fenômeno quando submetido a determinada situação. Por exemplo, quando queremos saber “Quais são os fatores que determinam a elevação dos custos logísticos em sistemas de produção empurrada?” estamos considerando que há um conjunto de variáveis conhecidas mas que são desconhecidos os seus agrupamentos. E são esses agrupamentos que queremos conhecer.
Cientistas experientes, portanto, batem os olhos em um questionário, roteiro de entrevista, protocolo de coleta de dados ou qualquer outro instrumento com esse intuito e reconhecem imediatamente o corpo teórico que está sendo submetido a teste. Por quê? Porque sabem ler a estrutura de um instrumento de coleta de dados e sabem que toda estrutura é a materialização de um corpo teórico. Não importa a área do conhecimento, se é na Astrofísica ou na Sociologia do Trabalho, a mesma exigência de procedimentos é feita.
A arquitetura teórica que se constrói com a revisão da literatura e que dá sentido às investigações científicas é retratada em todo instrumento de coleta de dados. E não tinha como ser diferente. A arquitetura é apenas um ensaio. É preciso que se coletem dados da realidade para que se possa aferir o grau de consistência daquela explicação provisória, que todo ensaio representa, para se transformar em explicação definitiva (teoria). Mas vale ressaltar que esse definitivo é sempre temporário. Vale até que outra explicação mais simples e precisa apareça.