REDAÇÃO DE ENSAIOS LITERÁRIOS
Tem um tipo de redação muito praticada, mas que sua essência não é devidamente conhecida. Esse desconhecimento é percebido pela própria forma como ela é costumeiramente apresentada, tanto pelos autores quanto pelos editores de livros e periódicos científicos. Esse tipo eu denomino de ensaio literário. É meio esquisito, mas é assim.
E essa esquisitice vai ser compreendida agora pelo simples motivo de que esses ensaios não são nem teóricos e tampouco estudos teórico-empíricos. Os ensaios teóricos, como vistos, são elaborações arquitetônicas com a finalidade de teste empírico para se saber se a realidade realmente se comporta da maneira prevista naquela arquitetura; os estudos são os relatos dos resultados dos testes das arquiteturas ou marcos teóricos elaborados enquanto balanço da literatura.
Os ensaios literários não são nem uma coisa nem outra. Sendo mais específico e ao mesmo tempo repetitivo, os ensaios literários não têm a pretensão de apresentar balanços da literatura em termos de arquitetura ou marcos teóricos, da mesma forma que não têm a ousadia de descrever novas descobertas sobre o comportamento da realidade. Então qual é a finalidade desse tipo de texto? Simples: dar uma opinião.
Para que se entendam os ensaios literários como opinião, é necessário que se esclareça o sentido dessa palavra. A ciência é um tipo de explicação acerca da realidade assentada em dados, coletados, organizados, analisados e interpretados com base nas regras e etapas do método científico. Essas etapas e regras geram como produtos os ensaios teóricos, que são, na verdade, o primeiro produto da atividade dos cientistas, e os estudos teórico-empíricos, que são o segundo e mais propalado.
E nada mais há além disso que seja ciência. Em síntese, só é ciência aquilo que é fruto da aplicação do método científico. A diferença entre os ensaios teóricos e os estudos teórico-empíricos é que os primeiros são apenas uma possibilidade, enquanto os segundos são, digamos, uma realidade. Como falam sobre o comportamento das coisas do mundo, têm probabilidades de estarem de acordo com a realidade do mundo. São o que os gregos chamavam de episteme, que é um conhecimento demonstrável, que está em harmonia com a realidade. Opinião é o contrário, é doxa.
Chamamos de doxa à opinião porque ela expressa o pensamento de um autor. Ela não é a expressão da realidade das coisas de fora do corpo e da mente do autor. Ela é a tentativa de apresentar o que está dentro do autor, algo que é exclusivamente seu, a sua percepção. Uma coisa é a paisagem de uma natureza fora de mim; outra coisa é a minha percepção sobre aquela paisagem, o que eu penso sobre ela, como eu a avalio, o que eu valorizo nela e assim por diante.
Ainda que eu utilize dados daquela paisagem, como os coloridos das árvores, a harmonia entre essas cores, os sons que meus ouvidos capturam e assim por diante, tudo não passa de opinião, de doxa. Sem o uso do método científico em conjunto com o balanço do que a ciência sabe sobre determinado aspecto daquela paisagem, tudo o que for escrito é apenas opinião. Não é ciência. Isso não quer dizer, novamente, que as opiniões não tenham sua validade. Apenas não são ciência.
Se não são ciência, os ensaios literários servem para quê? Para inúmeras serventias valiosas. Por exemplo, um autor pode apresentar uma percepção que outros autores desconhecem. Também podem levantar teses que dentro da ciência são insustentáveis. Podem aventar possibilidades de correlações inadmissíveis nos corpos teóricos. Como os autores são livres das amarras do método científico, podem, digamos, viajar pesado. E essa viagem tresloucada podem abrir novas percepções, gerar novos insights, levar a novas proposições. Mas essa potencialidade toda só aflora se alguns aspectos lógicos estiverem presentes. Eis os principais, na ordem de aparecimento dos manuscritos, geralmente chamados de artigos de opinião ou short communications.
A introdução começa com a contextualização, quase sempre originária de determinadas práticas de campos teóricos específicos. Desse contexto o autor faz emergir o centro, o objeto de sua opinião. Depois é apresentada a tese que vai ser defendida e seus argumentos sintetizados. Note a sequência: a) está acontecendo isso, b) esse é o centro de todos esses acontecimentos e c) eu vou provar aquilo, d) com base nisso, nisso e naquilo. Como é uma opinião, o autor do ensaio literário tem que fazer investimentos fortes e firmes nessa parte, geralmente com mais de uma página.
O autor deve começar o desenvolvimento da redação apresentando a tese e logo em seguida os seus argumentos. Mas isso precisa ser feito de forma organizada. Na primeira seção, a tese deve ser apresentada; na segunda seção é o primeiro argumento que precisa ser exposto; nas seções seguintes, os demais argumentos; e na última, o esquema lógico global que sustenta a tese, preferencialmente com uma figura, uma representação diagramática da tese, em cima, e os argumentos, como fundamentos que a sustenta. A conclusão é redigida da mesma forma que os ensaios teóricos: começa com a síntese da tese, prossegue com a modificação da situação problemática e termina com as alterações no contexto teórico, caso aquela tese seja aceita.
A análise dos inúmeros ensaios teóricos que são publicados diariamente em coletâneas de livros e periódicos científicos mostra que poucos são os que realmente apresentam uma ideia concreta, clara. Isso quer dizer que até para se apresentar uma simples opinião é necessário que uma estrutura lógica esteja por trás ou por debaixo do que se quer comunicar. Infelizmente, grande parte dos textos que são publicados nem opinião são. Parecem mais com uma série de percepções desordenadas e desencontradas, sem ponto de partida e chegada real, ainda que esteja lá escrito um objetivo geral, já que quase sempre não há uma conclusão explícita. A experiência tem mostrado que texto ilógico é sempre consequência de aprendizado que ainda não se efetivou.