O peregrino
No ano 1000 muitos cristãos tinham medo que o mundo acabasse. As peregrinações se multiplicavam e, quem podia, viajava para Jerusalém ou Roma. Se tornou conhecido um peregrino que, com uma certa idade, por vários anos ia até Jerusalém, mas nunca entrava na cidade para visitar os lugares santos. Na frente da porta, ele se ajoelhava, rezava e voltava para casa. Depois de um tempo de descanso, recomeçava tudo de novo.
Muitos, com os quais ele viajava, queriam saber porque fazia isso. Até que um dia ele explicou que tinha feito uma promessa. Relatou a vida passada dele e falou de alguns pecados que não tinha coragem de contar e dos quais sempre se envergonhava. Mas o bom Deus tinha lhe dado a graça do perdão e de poder começar uma vida nova de fé e penitência. Ele mesmo dizia: “A nossa vida não é uma viagem fácil. Todos caímos e levantamos. Começamos e recomeçamos. De outra forma, não poderíamos fazer a experiência da misericórdia de Deus. Por isso, eu nunca termino a minha peregrinação. Faço assim para lembrar que se cair de novo haverá sempre Alguém pronto a me levantar e a me colocar novamente no caminho”. A história desse peregrino termina dizendo que, quando ele morreu, amigos piedosos o sepultaram justamente naquele lugar onde sempre ele se ajoelhava para rezar, diante da porta de Jerusalém.
Aqui Com o Primeiro Domingo de Advento iniciamos um novo Ano Litúrgico. Como sempre, podemos vivenciar isso simplesmente como uma repetição do que já sabemos ou nos alegrar com a possibilidade de percorrer novamente um caminho e abrir horizontes antes despercebidos para a nossa vida de cristãos. Desta vez, será o evangelista Lucas a nos acompanhar. O trecho do evangelho que proclamaremos parece nos falar do fim dos tempos. As nações ficarão angustiadas, o medo tomará conta dos homens por causa do barulho do mar e das ondas, as forças do céu ficarão abaladas. Essas imagens pavorosas querem nos ajudar a entender que “algo novo” começa de verdade quando “algo velho” acaba mesmo. De outra forma, o que pode parecer novo, na realidade seria um remendo do passado. A linguagem apocalíptica não é uma antecipação do futuro, ela quer nos conduzir a nos prepararmos para uma mudança mais radical e profunda daquilo que talvez consigamos imaginar. De fato, apesar das queixas, muitas vezes nos acomodamos na realidade na qual nos encontramos porque, apesar de tudo, a consideramos razoável ou porque desistimos de querer melhorar a nós mesmos e mudar as situações de sofrimento e injustiça que nos atingem. O evangelho nos alerta. É muito fácil que o nosso coração fique insensível por causas dos nossos vícios, dos maus costumes e das excessivas preocupações com as coisas deste mundo. Os “sinais” devem servir para ficarmos atentos e preparados, para erguer a cabeça, porque o tempo da novidade – “a libertação” das coisas velhas que nos afastam de Deus e do próximo – já chegou.
Para nós cristãos, a “novidade” será sempre a pessoa de Jesus, o “Filho do homem”. Novas para nós devem ser sempre as suas palavras e mais ainda a sua vida. Somente ele pode dizer: “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21,5). Porque ele tinha aquela força que transformava a vida de quem se deixava alcançar por seu amor. Podemos chamar esse amor de misericórdia, compaixão, mas também de confiança, chamado, seguimento, missão, envio. Ser cristãos é mais do que cumprir obrigações ou obedecer a mandamentos, é responder a um chamado, é cumprir uma missão, vencer o comodismo e a indiferença para seguir Jesus no caminho do serviço e da doação. O tempo do Advento nos prepara para o Natal de Jesus, mas, entendemos, todo “nascimento” é sempre uma novidade. Uma nova pessoa chega neste mundo e ninguém pode saber o que será dela. A vida dela será uma peregrinação feita de descobertas, desafios vencidos, metas alcançadas, mas também paradas, quedas, fracassos, decepções. Até chegar à meta final, experimentará alegrias e tristezas, esperanças e desilusões. Irá desistir ou começará sempre de novo? Vale para todos. A vida é um dom e o segredo do amor é também recomeçar.