Juíza titular da Vara do Tribunal do Júri de Macapá explica o funcionamento do Julgamento Popular à Imprensa
“O instituto do Tribunal do Júri data de 1822 e foi mantido pela Constituição Federal de 1988. A ele cabe a competência de julgar crimes dolosos contra a vida, dentre quais o homicídio e o feminicídio”, explicou a juíza Lívia Simone Freitas, titular da Vara do Tribunal do Júri de Macapá, ao iniciar a Coletiva com os Jornalistas que focava no funcionamento geral do Julgamento Popular. O encontro aconteceu na manhã desta segunda-feira (24), no Plenário do Fórum de Macapá.
“Para um dado exercício, no ano anterior é formada uma lista geral de jurados na comarca, que aqui em Macapá consta de 700 nomes, o máximo permitido. Então, ao longo do ano, enviamos ofícios a diversos órgãos para que nos encaminhem listas com nomes de servidores que possam integrar a lista do Júri”, detalhou a magistrada.
Esta lista é publicada em três edições, começando de 1º de outubro e terminando em novembro, com a última versão valendo por todo o ano seguinte. “Estes membros, sorteados de 25 em 25, depois novamente sorteados apenas sete, é que vão julgar provas, argumentos e testemunhos, sob a condução do juiz, que preside o Conselho de Sentença e aplica a dosimetria da pena conforme a decisão”, explicou a magistrada.
“E geral os jurados não são pessoas com conhecimentos jurídicos – são servidores, professores, engenheiros, jornalistas etc. –, mas sim pessoas do povo, da comunidade que constitui aquela comarca”, afirmou a magistrada.
Diferente do que se vê em filmes norte-americanos, nos quais o júri precisa ser unânime, os júris brasileiros só precisam de maioria simples. “Os princípios que regem o trabalho deles lá são um pouco diferentes dos nossos, mas o jurado é plenamente livre para votar de acordo com sua consciência”, esclareceu.
“Atualmente o jurado não pode ser voluntário aqui na Comarca de Macapá, ele é indicado por órgãos que oficiamos, mas entendo que é possível ser jurado voluntário e pretendo aperfeiçoar essas regras aqui na unidade, mas só para 2024 – pois para 2023 já temos uma lista fechada”, explicou a magistrada.
Sobre a incomunicabilidade dos jurados sorteados, a juíza Lívia Simone explicou aos repórteres presentes que “uma vez que os sete jurados são sorteados e fazem o compromisso, eles não podem mais ser influenciados pela mídia ou conversas particulares, pois precisam se concentrar em emitir seu voto com base no que for apresentado em juízo e, para manter essa incomunicabilidade, contamos com o apoio dos Oficiais de Justiça (OJ)”.
“Inclusive, se um jurado quebrar essa incomunicabilidade, ele será responsabilizado por isso”, ressaltou a juíza. “Em julgamentos que ultrapassem um dia, o Tribunal disponibiliza hospedagem, com revezamento dos OJs para garantir a manutenção dessa incomunicabilidade”, acrescentou.
A magistrada ressalta que, apesar da inviolabilidade e supremacia da decisão do júri, se houver uma alegação de nulidade e o juízo acatar, o julgamento todo é anulado e o processo retorna para a Vara para designação de novo júri e julgamento.
Tribunal do Júri
O Tribunal do Júri é um órgão do Poder Judiciário previsto pelo artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição de 1988 e responsável por julgar crimes dolosos contra a vida. Um juiz e mais vinte e cinco cidadãos, dentre os quais sete escolhidos por meio de sorteio, formam o Conselho de Sentença.
O Tribunal do Júri integra o rol dos direitos e garantias individuais e fundamentais e tem expressamente admitida a soberania de seus vereditos – a decisão dos jurados não pode ser modificada pelo juiz ou pelo Tribunal que venha a apreciar um eventual recurso. Além da soberania, também compõem os parâmetros de sua atribuição a plenitude do direito de defesa e o sigilo das votações.
O Tribunal do Júri tem nesse colegiado a atribuição de definir se o crime em análise ocorreu e se o réu é culpado ou inocente, analisando com imparcialidade e de acordo com sua consciência e com os princípios de justiça.
Ao magistrado cabe decidir de acordo com o veredito deliberado pelo colegiado de jurados (seja unanimidade ou apenas maioria), proferindo a sentença e, em caso de condenação, fixando pena.
O encontro com os jornalistas ocorreu após a realização do Júri Popular mais longo da história da Justiça do Amapá que durou aproximadamente 70 horas líquidas – da segunda-feira (17) ao sábado (22). O ex-policial civil Leandro Silva Freitas foi condenado por homicídio culposo.
Após a advertência de que não poderia comentar o caso concreto, pois o processo ainda não “transitou em julgado” (que significa sua conclusão além de qualquer possibilidade de recurso), pois a Lei Orgânica da Magistratura prevê que a magistrada ou magistrado só se manifeste sobre um caso nos autos ou em tese, a juíza Lívia Simone explicou toda a dinâmica da seleção de jurados e seu papel e dela própria no ato do julgamento.
Por Aloísio Menescal e Bernadeth Farias