QUESTÕES CIENTÍFICO-TECNOLÓGICAS
Vimos que as questões científicas têm como finalidade a geração de explicações para os fatos e fenômenos do mundo que intrigam os cientistas. O produto do processo científico é o conhecimento, geralmente expostos e comunicados através de artigos científicos e outros meios acadêmicos. Também foi mostrado que o foco das questões tecnológicas é a solução de determinados problemas a partir de algumas etapas bastante comuns a todo esforço inventivo. O produto do processo tecnológico são tecnologias, naturalmente, que representam artefatos que suprem determinadas necessidades de algum público-alvo. Para as questões científicas tem-se o método científico, enquanto para a geração de produtos há procedimentos específicos, como a engenharia e gestão de produtos. Não se deve esquecer, também, que algumas metodologias ativas também proporcionam, de alguma forma, a criação tecnológica, como o design thinking e a aprendizagem baseada em problemas. Mas estes são dois mundos ainda separados. Ciência e tecnologia ainda permanecem apartadas.
O método científico-tecnológico é uma proposta de sequenciamento lógico de etapas que visa a mesclar, combinar, os esforços de geração de conhecimentos científicos com o suprimento de necessidades reais através da inovação tecnológica. Diferentemente de outras metodologias ativas, o MC-T utiliza fortemente os produtos da ciência para manuseá-los e transformá-los em artefatos físicos ou extrafísicos para o suprimento de necessidades. Consequentemente, as questões de natureza científico-tecnológica são aquelas que carecem, primeiro, de explicações válidas cientificamente para, em seguida, prosseguirem com as etapas de materialização da inovação desejada. Como o método foca a geração do produto tecnológico, são as perguntas de natureza tecnológica que orientam cada uma das oito etapas do processo.
Em termos esquemáticos, o MC-T exige a apresentação de respostas sólidas e consistentes cientificamente acerca das questões centrais de pesquisa, tanto sobre os fenômenos envolvidos quanto sobre o tipo mais adequado de encapsulamento das explicações obtidas. Têm-se, então, dois blocos de contribuições da ciência para com o método. O primeiro é sobre o estado da arte dos fenômenos cujos conhecimentos sobre eles são fundamentais para a geração da tecnologia; o segundo, sobre o meio de encapsulamento, o que pode levar à confirmação do uso de algum mecanismo já existente ou a criação de outro inexistente. Em síntese, em linguagem popular, as duas questões centrais seriam algo do tipo “quais são os conhecimentos necessários para se produzir uma solução para o problema tal?” e “qual é o meio mais adequado para o uso desses conhecimentos?”. No caso da covid, a primeira pergunta poderia ser “o que se deve saber sobre o vírus para produzir uma vacina que neutralize sua ação no corpo humano?” e a segunda “qual o meio mais recomendado para inocular a vacina no corpo humano?”.
Alguém poderia contestar, com toda razão, que o MC-T é orientado por questões de engenharia, o que limitaria consideravelmente seu potencial de gerar conhecimentos científicos. De fato, o ideal seria que o estoque de conhecimentos científicos fosse de uma variedade e solidez tal que bastasse coletá-los, organizá-los e começar a prototipagem. Mas a realidade é muito diferente. O estoque de conhecimentos, além de limitado, ainda é bastante duvidoso acerca de sua confiabilidade. Por esse motivo, por exemplo, é que na prática se tem colocado algumas questões adjacentes às questões norteadoras, principalmente para que se certifique de que os conhecimentos disponíveis atendem a um padrão mínimo de confiança para serem utilizados. Foi dessa etapa de classificação que derivou as categorias de conhecimentos disponíveis, não confiáveis e inexistentes.
As questões relativas aos conhecimentos disponíveis seguem os padrões dos estudos bibliométricos. Elaboram-se as questões norteadoras, coletam-se e organizam-se os dados para em seguida serem geradas as respostas procuradas. As questões acerca dos conhecimentos não confiáveis seguem a mesma orientação daqueles inexistentes: que se aplique o método científico para a sua produção. Essa produção irá complementar as respostas existentes na literatura para que conformem o campo explicativo acerca dos aspectos centrais da produção da futura tecnologia.
O meio físico no qual os conhecimentos serão encapsulados precisa de igual solidez e validade. Por que a vacina em injeção é mais adequada do que em gotas orais? Por que não utilizar comprimidos ou um creme dermatológico? Ainda que se trate de um curso de extensão ou um sequenciamento didático, esses meios precisam ser devidamente justificados cientificamente para que cumpram com as exigências do MC-T. É nesse aspecto em particular que se diz que o método ajuda na expansão dos conhecimentos científicos, porque dá fundamentos baseados no método científico para a escolha dos artefatos que vão abrigar a tecnologia que se está criando. De que adiantaria saber como viajar na velocidade da luz, se não se tem conhecimentos sobre o veículo capaz de realizar essa proeza? Por extensão, já adentrando os meandros da filosofia da ciência, o MC-T ajuda na fase final de validade dos conhecimentos científicos ao demonstrar a conformação entre o que é explicado com o que é praticado.
O método científico-tecnológico é um divisor de águas entre uma era em que o que importava era explicar como o mundo funcionava e outra, cujo esforço é fazer o mundo mais amigável ao agir sobre ele. O ser humano parece não estar mais interessado em saber que a2 = b2 + c2. Não quer mais ser uma enciclopédia. Quer saber pouco, mas saber profundamente, de uma maneira que possa fazer alguma coisa com aquilo que sabe. E, como orienta o método, se o aprendiz for orientado na demonstração de que o produto de seu conhecimento deve fazer o bem para os outros para que ele possa se beneficiar, provavelmente inauguraremos um novo processo civilizatório.