Poesia sim, ódio não
Neste tempo de ódio, que polui o Brasil, é adequado contrapor ao ódio a Poesia.
O ódio é irracional. Não há argumentos que convençam quem odeia, de modo a diminuir o furor de sua raiva.
Melhor assim recusar o confronto e desarrmar o punhal através de uma incursão poética.
É o que tento fazer nesta página.
Tenho saudade das cartas.
Sou do tempo das cartas por via postal, que carregavam um certo mistério.
Aderi à internet, aos e-mails, pela praticidade deste tipo de comunicação, mas tenho saudade das cartas de antigamente.
Os emails também podem ter muita força de comunicação, mas as cartas tinham um sabor especial.
A primeira beleza das cartas é que dependiam da entrega e o carteiro era muitas vezes esperado com ansiedade e alegria.
Não foi à toa que a alma de Pablo Neruda atingiu culminâncias em “O Carteiro e o Poeta”.
Numa perdida ilha do Mediterrâneo, um carteiro recebe a ajuda do poeta Pablo Neruda para, através da Poesia, conquistar o amor de Beatrice, sua eleita. O carteiro, que era o mediador da correspondência do Poeta, aprende, aos poucos, a traduzir em palavras seus sentimentos pela amada. Em troca, Mário, o carteiro, foi o interlocutor do Poeta, mostrando-se capaz de ouvir suas lembranças do Chile e compreender as dores do exilado.
Guardo todas as cartas que recebi de minha esposa quando éramos namorados.
Como ela também guardou as que eu mandei, temos em nosso arquivo todas as cartas que trocamos.
Tenho também saudade do flerte.
Hoje já não se flerta mais.
Flerte, que coisa linda! Mulher objeto? De forma alguma... Mulher destinatária... da admiração, do encantamento, do silêncio que fala.
Suprimiram-se as etapas do amor. Numa sociedade capitalista não se perde tempo. O tempo destinado à poesia, numa sociedade de consumo, escrava do ter, desalmada, é tempo perdido.
Mas temos de reagir. Salvaguardar a Poesia porque Poesia é Humanismo.
Que mundo triste seria este mundo se desaparecessem os poetas.
”Amar, jovem, é pouco, e ainda que doam
As palavras nos lábios, ao dizê-las,
esquece os teus cantares. Já não soam.
Cantar é mais. Cantar é um outro alento.
Ar para nada. Arfar em deus. Um vento.” (Rainer Maria Rilke, tradução de Augusto de Campos).
“O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as dores que ele teve,
Mas só as que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.” (Fernando Pessoa).