Vítima registrou ação do importunador em vídeo. Arquivo pessoal
Brasileira sofre importunação sexual em voo da Copa Airlines

Brasileira sofre importunação sexual em voo da Copa Airlines

Executiva filmou ato, mostrou à comissária, mas ainda assim não houve atitude da companhia aérea em relação ao agressor


Quando embarcou para mais uma viagem internacional de trabalho em 12 de Julho, a executiva Rafaela (nome fictício), de 30 anos, não imaginava que estava prestes a passar um dos momentos mais constrangedores de sua vida. Ela saiu de Guarulhos com destino à Jamaica. No trecho entre Panamá e Kingston do voo CM0758, um homem se sentou ao seu lado, na classe executiva, primeira fileira do avião. “Eu estava na janela e ele, no corredor. Logo após a decolagem, notei que ele estava agindo estranho. Ele colocou óculos escuros e o capuz. Quando começou o serviço de bordo, notei que ele estava com uma ereção e que aproveitou que a mesa foi abaixada para acariciar as partes íntimas durante minutos, virando em minha direção, sorrindo. Não acreditei no que estava vendo, até me levantei para buscar meu celular e gravar o vídeo”, narra a executiva.

Rafaela conseguiu filmar alguns segundos da ação e imediatamente procurou uma das comissárias. “Mostrei o vídeo e perguntei se poderia tomar alguma providência, mas ela disse que não sabia o que fazer pois a situação era muito sensível e não poderia constrangê-lo”, diz.

O que sucedeu ao pedido de socorro foi uma série de erros que, na avaliação da advogada de Rafaela, a criminalista Jacqueline Valles, provam que as companhias aéreas não estão preparadas para acolher e proteger as vítimas de importunação sexual. “A vítima de um crime ficou em pé na aeronave esperando o criminoso adormecer para voltar ao seu assento porque a companhia não trocou o agressor de lugar e disse que tudo o que a vítima poderia fazer era abrir uma reclamação no site da companhia. O homem que cometeu o crime sequer foi interpelado”, comenta.

Rafaela diz que ficou em choque com o descaso da comissária da Copa Airlines. “Já presenciei comissários da Copa intervindo e ameaçando chamar a polícia em situações brandas, como duas mulheres levantando a voz uma para outra, mas no meu caso, nada fizeram”.

 

Danos e proteção

A executiva conta que decidiu processar a companhia aérea quando ficou claro que não seria adotada qualquer medida contra o passageiro. “O que eu quero é que as companhias aéreas adotem um procedimento para proteger as mulheres, porque eu não fui a primeira, nem serei a última mulher que, além de ter sido vítima de um agressor sexual, ainda fui desrespeitada por quem, em tese, deveria garantir a minha segurança. Se isso ocorre em uma classe executiva, na primeira fileira, à luz do dia e com prova em vídeo, o que não pode ocorrer em outras circunstâncias?”, questiona.
 

Procedimentos para vítimas

A advogada de Rafaela conta que ingressará com uma ação pedindo não apenas indenização por danos morais, mas também o estabelecimento de um procedimento para atender às vítimas de importunação sexual em voos. “Enquanto os casos de importunação sexual são tratados com a seriedade que deve nos transportes públicos, com motoristas acionando a Polícia Militar, vemos que no transporte aéreo, mais elitizado, há um certo receio em abordar o criminoso. Há poucos meses fui procurada por uma passageira que relatou o mesmo despreparo da tripulação de outra companhia aérea para lidar com um caso semelhante. Em vez de acolher, estão penalizando as vítimas duas vezes e isso tem que parar”, Jacqueline.


A jurista e mestre em Direito Penal, Jacqueline Valles

 

Jurisdição

Rafaela conta que tentou fazer um registro criminal quando desembarcou na Jamaica. O policial informou que, como o crime aconteceu no espaço aéreo do Panamá, ela deveria registrar a ocorrência lá. “Há uma certa dificuldade no registro de crimes que ocorrem no espaço aéreo internacional e isso também contribuiu para que as vítimas de importunação sexual fiquem ainda mais desprotegidas. Ao contrário do que ocorre em ônibus ou trens, quando a vítima pode descer para se livrar de um agressor, em uma aeronave isso não é possível, por isso é tão relevante que as companhias adotem protocolos para proteger as mulheres a bordo”, reforça Jacqueline Valles.

 

Descaso

Após desembarcar na Jamaica, a executiva procurou o guichê da companhia aérea e foi novamente informada de que deveria abrir uma reclamação pelo site. Rafaela registrou queixas e entrou também em contato por mídia social, mas só obteve uma resposta 9 dias após incidente. Agendaram uma ligação telefônica para entender o caso, mas no dia combinado ninguém a procurou. “No dia 28 eu estava de retorno pela Copa, passando a noite do lado de um desconhecido. Não consegui dormir nem um minuto naquele voo sabendo que não estaria amparada caso algo acontecesse”, lembra.

 

Negação

Em 3 de agosto, uma atendente contatou Rafaela, mas, em vez de um pedido de desculpas, solicitou para que repetisse o caso mais uma vez, e disse que os atendentes eram treinados e que fizeram o que deveriam em situações como esta. “Ela disse que não estavam tomando providências em relação ao agressor e que sentia muito que ‘eu tenha me sentido ofendida’ ou ‘tenha me sentido desconfortável’, desviando de toda e qualquer responsabilidade em cumprirem o contrato de transporte, onde é vedado atos obscenos. Sou passageira frequente, realizo este trecho a cada três semanas, abordei o tema de forma respeitosa com todos os envolvidos, e em troca, fui tratada como se eu fosse o problema, e não ele”, completa.

 

Crescimento

Segundo estudo recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o crime de importunação sexual registrou um crescimento de 37% em 2022, totalizando 27.530 casos.

 

Por Patricia Penzin/ AKM Comunicação




O que achou desta notícia?


Cursos Básicos para Concursos