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Trocas do Brasil com China em renminbi não tiram dependência do dólar, dizem analistas

Trocas do Brasil com China em renminbi não tiram dependência do dólar, dizem analistas

Em encontro promovido pela FecomercioSP, economistas Roberto Dumas e Otaviano Canuto observam potencialidades e limites do acordo monetário com o gigante asiático que entrou em vigor em julho


O início do acordo para trocas comerciais entre Brasil e China em renminbi — a moeda chinesa — marca um novo lugar na relação do País com o gigante asiático. Se, por um lado, coloca-o como um parceiro estratégico na América Latina em um cenário global cada vez competitivo, por outro, não diminui o peso do dólar para ambas as economias, como foi aventado. Isso vale também para as ideias ventiladas de uma moeda única entre os membros do Brics, o bloco constituído ainda por Rússia, Índia e África do Sul.
 
Na avaliação de Roberto Dumas, professor na China Europe International Business School (CEIBS) e na Universidade de Fudan, em Xangai, apesar desses movimentos geoeconômicos, a moeda norte-americana ainda seguirá servindo como base para o mercado internacional por algum tempo. “As melhores instituições financeiras estão nos Estados Unidos. A dependência do dólar existe porque o mundo quer que seja assim. O euro é uma moeda fragmentada e o iene japonês não tem liquidez, ao passo que o renminbi ainda é muito restrito à China, que tem um mercado de capitais cada vez mais fechado”, explicou. “O dólar seguirá sendo a moeda mais forte.” A análise foi feita durante o Café Sem Filtro, debate organizado nesta segunda-feira (7) pelo Conselho de Economia Empresarial e Política e pelo Conselho de Relações Internacionais, ambos da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
 
Ainda abordando a relação entre Brasil e China, Dumas vê uma janela de oportunidade para negócios com os asiáticos na mudança de modelo de desenvolvimento econômico chinês, que está em direção ao consumo. O resultado disso se nota nos mercados potenciais que tendem a se abrir com essa transformação. “Os salários na China estão crescendo acima da produtividade, dando maior poder aquisitivo e urbanizando o país’, contou Dumas. Ele citou como exemplo a crise sanitária de carne suína — que afetou a China entre 2018 e 2019 —, que aumentou a demanda não apenas pelo mesmo produto brasileiro, mas também por grãos. “A reorientação do governo chinês, à época, foi mudar a alimentação dos animais para uma ração composta por soja. Para o agronegócio, foi uma oportunidade enorme, em um momento no qual eles estavam sacrificando 350 milhões de cabeças de porcos”, continuou.

O ex-diretor do Banco Mundial, Otaviano Canuto, concordou. Segundo ele, embora o acordo monetário tenha sido comemorado pelos governos quando assinado (no primeiro semestre deste ano), será restrito a uma parcela menor das principais operações econômicas do mundo globalizado. “É uma tentativa limitada, porque ficará circunscrita a transações oficiais entre bancos centrais e trocas comerciais, sendo que o grosso das transações monetárias, hoje, é baseado em ativos — portanto, estas são financeiras”, observou Canuto, lembrando que essas operações seguem sendo feitas em dólar. “Enquanto a China mantiver o controle de saída de capitais, ninguém vai querer comprar ativos chineses — e o próprio governo sabe disso”, completou.
 
Para Otaviano, que também foi secretário para Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e, atualmente, é senior fellow na The Brookings Institution, em Washington, nos Estados Unidos, além de membro sênior do Policy Center for the New South, a verdadeira alternativa brasileira no mercado global está na economia verde. A análise dele é que tanto a matriz energética quanto a possibilidade de emitir créditos de carbono são potencialidades mais relevantes para o País. “A maneira como produzimos e usamos energia pode servir de base para reinserir o Brasil no cenário global.”
 
Na abertura do Café Sem Filtro, o vice-presidente da FecomercioSP, Rubens Medrano, reforçou a leitura de um mundo cada vez mais bipolar entre China e Estados Unidos, tanto nos ambientes econômico quanto no político, pensando o lugar do Brasil nesse contexto. “Os dois maiores oponentes, hoje, são nossos maiores parceiros comerciais. Um deles, o principal comprador de commodities e de produtos primários, enquanto o outro é nosso grande mercado de produtos industrializados e valor agregado. Como o nosso país deve se posicionar é a grande questão”, pontuou.
 
Também participaram do debate os copresidentes do Conselho de Economia Empresarial e Política da Entidade, Antonio Lanzana e Paulo Delgado. Na sua fala, Lanzana apontou para um fator que voltou ao debate nacional no ano passado: o modelo econômico do Brasil de alguns anos para cá. Para além da queda drástica da indústria de transformação e do consequente aumento da produção agrícola, ele lembrou das dificuldades que o País ainda tem em se relacionar economicamente com o mundo. “Temos uma boa inserção global financeira, mas que não ocorre em termos comerciais. Na verdade, somos uma economia fechada, principalmente se compararmos com países como México, Argentina e Índia. Isso limita a nossa capacidade de acessar tecnologias mais avançadas.”
 
Delgado, por sua vez, voltou a análise para o elemento político. Na percepção dele, o governo Lula tem se esforçado para visitar países considerados mais importantes, não somente para estreitar os laços como para se recolocar no equilíbrio de poder global. “Essas movimentações envolvendo a Ucrânia e a Rússia, a visita à China e a ideia de criar uma nova moeda internacional têm concretude ou são apenas poeira?”, questionou ele.

 

Sobre a FecomercioSP

Reúne líderes empresariais, especialistas e consultores para fomentar o desenvolvimento do empreendedorismo. Em conjunto com o governo, mobiliza- se pela desburocratização e pela modernização, desenvolve soluções, elabora pesquisas e disponibiliza conteúdo prático sobre as questões que impactam a vida do empreendedor. Representa 1,8 milhão de empresários, que respondem por quase 10% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e geram em torno de 10 milhões de empregos.




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