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Acidentes de escalpelamento por embarcações: a meta é zero.

Acidentes de escalpelamento por embarcações: a meta é zero.



Os acidentes de escalpelamento em embarcações ocorrem a partir da aproximação dos passageiros do motor que está sem proteção de seu eixo e de suas partes móveis. Com a forte rotação, as vítimas têm seus cabelos puxados, causando o arrancamento brusco do couro cabeludo (escalpo), atingindo orelhas, sobrancelhas e parte do rosto. Os acidentes costumam ocorrer, em sua maioria, na Região Norte do país, especialmente nos estados do Pará, Amapá e Amazonas, e vitimar mais mulheres e crianças (em especial, meninas), pelos cabelos compridos e por, normalmente, serem elas responsáveis por retirar a água do barco. Estima-se que mais de 3 mil vítimas já tenham sido identificadas desde os primeiros casos que, infelizmente, não têm diminuído significativamente ao longo dos anos. Dados da Marinha do Brasil informam que em 2024 já foram 4 casos só no Pará.

O acidente leva à morte ou deixa sequelas irreversíveis, com graves consequências físicas e psicológicas. Traz dores de cabeça constantes, feridas, limitação dos movimentos, além das dores emocionais decorrentes da alteração estética significativa, que geram isolamento social, depressão, perda da autoestima e da confiança, repercutindo negativamente na qualidade de vida das sobreviventes.

Algumas barreiras são encontradas para erradicar estes acidentes. A primeira se dá pela própria natureza da embarcação. São embarcações de pequeno porte, construídas de forma artesanal pela população ribeirinha. Os motores utilizados na construção são adaptados de outros veículos ou mesmo de eletrodomésticos. Tais embarcações não são construídas em estaleiro e, portanto, não passam pelo controle da Marinha do Brasil quanto à adequação à segurança da navegação e dos tripulantes.

Outro problema diz respeito à falta de conhecimento da população sobre a gratuidade do serviço de instalação da proteção. A Lei 11.970/2009 incluiu um artigo na Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário (Lei 9.537/97) para dispor, no artigo 4º-A, que é obrigatório o uso de proteção no motor, eixo e quaisquer outras partes móveis das embarcações que possam promover riscos à integridade física dos passageiros e da tripulação. A Marinha do Brasil instala gratuitamente as proteções nas embarcações, sendo necessário buscar uma Agência ou Capitania Portuária mais próxima, ou eventuais ações em andamento junto aos municípios ribeirinhos, os quais deverão mobilizar a população para estimular e promover o acesso esse serviço, protegendo-a destes terríveis acidentes.

Há, ainda, o receio de que a embarcação, por ser construída de forma artesanal, possa vir a ser apreendida, ou mesmo que o motor venha a ser furtado, de forma que alguns condutores retiram a proteção, que por ser aparafusada, muitas vezes não é recolocada, vulnerando a segurança dos passageiros.

O Ministério Público do Trabalho atua ativamente para garantir a segurança da população ribeirinha. Desde o ano de 2018, quando foi instituído o “Grupo de Trabalho de Combate ao Escalpelamento por Embarcações”, tem atuado para mapear as ocorrências em águas brasileiras, apresentar um diagnóstico do problema, sistematizar os procedimentos existentes para atuação promocional e investigativa do órgão, articular junto à Marinha do Brasil para promover doação das proteções de motor das embarcações, contribuir na elaboração de novas políticas públicas de erradicação de acidentes, articular com as universidades na busca pelo desenvolvimento de novo protótipo de proteção que seja mais atrativo à população, bem como colaborar com o desenvolvimento de projetos voltados para a reinserção das sobreviventes no mercado de trabalho.

O objetivo é a erradicação total dos acidentes. A meta é zero. Uma meta ainda difícil de ser alcançada, mas sobre a qual nunca perdemos a esperança.

Por Flávia Oliveira Veiga Bauler
Procuradora do Trabalho




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