O LADRÃO VASCAÍNO
A gozação em cima do Vasco da Gama é uma tortura interminável para seus torcedores.
Por muito tempo fui “zoado” por causa do meu Corínthians. Nasci corinthiano, não foi uma questão de escolha. Outra hipótese mais plausível é que na tenra idade eu tinha uma verdadeira adoração por carros de polícia. Quando eu via a Chevrolet/Veraneio preta e branca da polícia, eu entrava em êxtase!
Os malacos do meu bairro quando viam o caaaaaarrrrrrro de políííííícia nº 28 alvinegro gritavam dando no pé: lá vem a Corinthiana!
Acho que por essa paixão policial, as cores das viaturas corinthianas acabaram tingindo meu coração de preto e branco como o Timão.
Porém minha infância e adolescência eu nunca vi o Coringão ser campeão e sofria um doloroso “bullying” da garotada.
Logo, o título paulista mais importante da história alvinegra é, até hoje, o de 1977, com aquele chorado gol histórico do Basílio no 1 x 0 contra a Ponte Preta, pois o Timão estava há praticamente 23 anos sem vencer um torneio. Foi o fim do jejum e finalmente eu pude sentir o gostinho doce de ser campeão.
Destarte, tenho um verdadeiro “know-how” de sofrimento, daí porque entendo a angústia dos vascaínos que vivem caindo pelas tabelas, rebaixamentos e goleadas. Tomara que não demore 23 anos, porque daí é dose para elefante Corinthiano (kkkkk)!
Mas corinthiano também sofre por causa da discriminação e pelas piadas infames, tipo:
Por que o placar do Pacaembu já não marca mais as horas?
- Porque os corintianos já roubaram o relógio.
Vocês sabem por que corintiano gosta tanto de tocar cavaquinho?
- Porque é o único instrumento que dá para tocar algemado.
O corinthiano é estereotipado como pobre e o contrário desse imaginário sobre os “manos” na pauliceia desvairada é a torcida são-paulina, tipicamente de classe média ou rica. E, como sói acontecer, não poderia deixar de ter as anedotas comparativas sacanas:
São Paulino com uniforme = Coronel
Corintiano com uniforme = Porteiro
São Paulino com arma = Praticante de tiro
Corintiano com arma = Assaltante
São Paulino fresco = Playboy
Corintiano fresco = Viado
São Paulino com maleta = Executivo
Corintiano com maleta = Office-boy
São Paulino com chofer = Milionário
Corintiano com chofer = Presidiário
São Paulino com sandálias = Turista
Corintiano com sandálias = Mendigo
São Paulino que come muito = Bem alimentado
Corintiano que come muito = Esfomeado
São Paulino lendo jornal = Intelectual
Corintiano lendo jornal = Desempregado
São Paulino se coçando = Alérgico
Corintiano se coçando = Sarnento
São Paulino correndo = Esportista
Corintiano correndo = Ladrão
Mas em desforra a torcida do São Paulo é nominada de “bambis” pelos “manos” (rss)!
Mas vou contar a história de um ladrão, porém vascaíno fanático e azarado.
Certa feita, quando eu era promotor de justiça na área criminal, ocorreu um fato curioso que serviu de convencimento para a condenação. Por maldade, atribuo esse veredicto que levou o vascaíno ao xilindró para ver o sol nascer quadrado, o fato de o ladrão ser vascaíno roxo (fanático). Te juro: não é zoação não! É um fato verdadeiro.
O vascaíno e seu comparsa assaltaram à mão armada um posto de gasolina e em seguida um cursinho de inglês, aliviando as carteiras, dinheiro e os celulares que a rapaziada ainda estava pagando a prestação. Pô, sacanagem!
A dupla de meliantes estava de motocicleta Honda preta, um de capacete rosa na cabeça, camisas longas e um “trezoitão” cada. Portanto, foi difícil o reconhecimento por parte das vítimas.
O frentista cuca fresca já calejado de tantos assaltos, depôs na audiência que observou no dorso da mão do piloto da moto, que usava capacete rosa, uma tatuagem em formato de caravela e cruz de malta. Eu pedi à Juíza que presidia o julgamento para que o réu mostrasse a mão. E lá estava a tatuagem do escudo do Vasco da Gama! A defesa logo argumentou que qualquer um pode ter uma tatuagem dessas:
-É comum, Excelência, protesto! É uma prova frágil.
Bem, eu nunca vi ninguém com tatuagem do Vasco da Gama na mão! Por mim, já lhe tacava o pau! Mas na justiça não é assim: as provas têm de ser cabais e insofismáveis.
O recepcionista do cursinho de inglês, um rapazinho alegre e com trejeitos e indumentária suspeitos (acho que era torcedor são-paulino rsss) também era cuca-fresca e não perdeu o rebolado (perdão pelo trocadilho nojento) diante do cano do berro.
Durante o assalto, pelo blindex, viu uma moto preta com adesivo do Vasco estacionada na rua com o piloto em “stand by” esperando o comparsa aliviar a galera. Frieza tamanha, o “são-paulino” memorizou até o número final da placa! Falou que o apressado assaltante mancava de uma perna!
De imediato requeri à juíza que colocasse o 2º réu na sala de reconhecimento e andasse de um lado para o outro. Pelo vidrinho eu e a juíza trocamos um sorriso maroto: Quá, quá, quá, quá: o 2º réu era coxo, certamente sequela dos encontros com a violência do submundo do crime ou os balaços da PM!
- Protesto, Exa! Não é só meu cliente que é aleijado nessa cidade! – Disse o combatente advogado.
Repetindo: por mim eu já lhe tacava o pau! Mas...
Com base na informação do dígito final da placa da moto e cor, a PM rapidamente chegou ao ex-dono, que denunciou o endereço do atual proprietário, no caso o vascaíno fanático. A moto estava na casa da avó, um cubículo que não cabia nada. O experiente policial sentiu o calor do motor ainda quente relatando no B.O., circunstância que delata uso recente, descrevendo ainda um capacete rosa e os decalques do Vasco da Gama na carenagem.
De novo: por mim eu já lhe tacava o pau! Mas...
Vendo que o cerco estava se fechando contra seus clientes, o advogado requereu a oitiva da esposa do vascaíno como testemunha de defesa. Processualmente não poderia dada a preclusão do pedido, porque o momento oportuno é na defesa prévia, lá no início do processo.
A juíza indagou a mim, órgão acusador, se concordava. Bem, pressentindo que a viola do vascaíno já estava em cacos, não fiz objeção até para evitar alegação de nulidades por violação constitucional do direito à ampla defesa na hipótese de condenação e apelação para o Tribunal.
Mesmo porque seria ouvida como informante (e não testemunha) por causa do vínculo matrimonial com o réu. Informante não presta compromisso de dizer a verdade, o que enfraquece como prova, mas serve como indício. Etimologicamente, a palavra indício vem do latim “index” (dedo indicador). Ou seja, o dedo que aponta para a verdade.
Promotor acostumado com a malandragem, 22 anos no MP e outros tantos como advogado criminal, indaguei da trêmula esposa porque a moto estava quente.
-Ah, meu marido tinha dado uma saidinha.
-A senhora sabe me informar onde ele foi?
-Doutor, ele falou que fora na oficina colocar uns adesivos na moto.
-A senhora sabe me informar que adesivos eram esses?
-Doutor, eram adesivos do Vasco!
-Obrigado, Excelência, o MP está satisfeito, não tem mais perguntas à “testemunha”!
No interrogatório, perguntei ao vascaíno quanto e qual era a fonte de renda dele.
-Promotô, eu, minha esposa e avó fazemos salgadinhos de encomenda. Uns R$ 500,00 por semana.
-Essa moto Honda twister 250 cc com um ano de uso é sua? Quanto você pagou? Financiou?
- Promotô, a moto é minha, paguei à vista R$ 14.000,00.
Difícil, né, senhores leitores? Pagar motocicleta à vista vendendo coxinha, kibe e pastelzinho... kkkk.
Portanto, depreende-se que o vascaíno fanático fazia uns “extras”, pelo visto incursando na seara do crime, pois não era “cabaço”: a ficha criminal era um livro...
Diante de todo esse acervo probatório e “coincidências” (você acredita em coincidências? Não? Pois nem eu e nem a juíza kkkk), os réus foram condenados por crime de roubos qualificados continuados.
Pegaram uma boa dose de cadeia - reclusão em regime inicialmente fechado.
O ladrão fanático vai cumprir a pena e não verá o Vasco da Gama campeão, cuja maré de azar não acaba nunca!
Moral da história: o Vasco da Gama mesmo quando não cai, derruba seu torcedor (kkkkk)!