UM AMOR ENCANTADO: ENTRE O RIO ARAGUARI, PARA AS ALTEROSAS E O ALENTEJO

UM AMOR ENCANTADO: ENTRE O RIO ARAGUARI, PARA AS ALTEROSAS E O ALENTEJO


Ela nunca havia tido sorte no amor e vou contar para vocês as tentativas de ser feliz. O cupido, aquele anjinho malandro com a flechinha do amor, nunca mirou nela.

Foi mãe solteira adolescente, fruto de um namorico com um colegial, na época com a mesma idade, entre 15 e 16 anos.

Não era nenhuma Virgem Maria, mas foi mãe virgem. Ali, de pé, debaixo do jirau da cozinha da casa dos seus pais, seu namoradinho afoito, como é corriqueiro entre os meninos, ejaculou precocemente no seu vestíbulo vaginal sem penetração. 

Pronto! Engravidou virgem... Ou seja, fez filho nas coxas... Rsss.

Teve apoio dos seus pais e assumiu a maternidade, se dedicando àquela linda garotinha de cabelo ondulado sarará, olhos verdes como uma azeitona e bochecha rosada. Parecia a personagem do conto infantil Cachinhos Dourados e os Três Ursos.

Essa maternidade precoce lhe tolheu a vida amorosa, pois em que pese a juventude e as inconsequências dessa fase da vida, foi uma mãe responsável. Isso lhe causou alguns prejuízos porque o sonho de uma faculdade na Capital foi para as cucuias porque teve que trabalhar para sustentar aquela bonequinha preciosa. O pai? Ruuuummm! O pai... moleque irresponsável, não tinha nem para ele, pois vivia em uma miséria extrema...

Imaginem vocês uma moça interiorana sem qualificação profissional, de um pequeno município do Amapá, um Estado que não tem indústrias, comércio muito fraco, onde iria arrumar emprego?

A casa dos seus pais ficava na orla em frente ao Fórum da cidade e seus pais construíram um pequeno salão comercial na testada do terreno. Ainda nem estava concluída a obra, eis que apareceu um doutor, com um sotaque sulino caipira e uma estranha cabeleira, indagando dela se o imóvel era para alugar.

Em resumo, seu pai alugou aquele prédio para instalar a Promotoria e ela, lógico, já pediu um emprego. Bem, a moça não sabia nem ligar um computador e o doutor após uma pequena entrevista, lhe ofereceu uma vaga de vigilante, condicionada ao curso de formação de vigilantes. Ela virou-se nos 30 e fez o curso na capital, vendendo o almoço para comprar a janta! Rss.

Era uma moça muito bonita, um corpo escultural, pernas grossas e seios fartos, mas os homens não se interessavam por ela. Não dava certo. Era muito chata para os padrões locais. Não gostava das tertúlias com som alto tocando bregas e funks insuportáveis, de bebida alcóolica e nem de sexo casual. Para ela tinha que seguir os padrões conservadores. Os jovens da sua idade só queriam sexo fácil. Ah, isso não!

Por isso, não teve sorte no amor. Aliás, como milhares de mulheres, ela não sabia o que era o orgasmo. Ah! O orgasmo... Ela lia muitas revistinhas de adolescentes de contos amorosos e lá estava o sr. orgasmo, esse ilustre desconhecido! 

A exemplo da maioria das mulheres daquela época, ela tinha vergonha de explorar seu corpo porque na educação antiga que recebera a masturbação era pecado. Engraçado, para os meninos isso é normal, tolerável e até incentivado, não é?

A novata vigilante optou pela escala noturna e o doutor, gente boa pra caramba, permitiu-lhe que ficasse dentro do prédio no ar condicionado e também franqueou o acesso à internet e ao telefone, apenas para situações emergenciais ou relacionadas ao trabalho.

Entretanto, a inexperiente vigilante burlou a confiança e passava a noite no computador e no telefone, ainda não tinha os revolucionários WhatsApp e Facebook. 

Nessas andanças virtuais conheceu um príncipe encantado lá das Minas Gerais. Trocaram telefone e ela ligava toda noite e ficava pendurada na linha, horas e horas em DDD’s intermináveis. Trocaram fotos, era um mulato lindo. 

Depois de quase um mês de juras de amor e carinhos virtuais, se apaixonaram perdidamente. Ele quis conhecer seus pais e pedir a mão em namoro para constituir uma família. Queria ser o pai da linda filha por quem ficou deslumbrado. Prometeu-lhe trazer para as Alterosas na sua linda Uberlândia, terra de oportunidades e riquezas que não têm no humilde interior do norte do Brasil da jovem sonhadora. 

Nossa! A moçoila ficou com as pernas bambas e seu coração palpitava incontrolável. Passou a sentir um enorme arroxo no peito. Vixe! Era o amor que tinha batido na sua porta! Nunca havia sentido isso.

Era final do mês de maio e ele marcou viagem para lhe conhecer pessoalmente nas férias de julho. Mandou cópia da passagem aérea. E agora? Seus pais estavam lhe ajudando a construir uma pequena “kitchnet” no amplo quintal de casa. 

Putz, ela se endividou toda: terminou a construção a toque de caixa e enfiou o pé na jaca na Domestilar (as Casas Bahia aqui do norte), comprou toda a mobília a perder de vista, não sobrava quase nada do seu modesto salário. Mas a primeira impressão é a que fica...

Chegou o grande dia: ansiosa ela aguardava o príncipe chegar montado num cavalo branco. De repente o cavalo branco parou na frente de casa. Era um táxi por coincidência branco! Rss. Desceu aquele homem enorme, tão gordo que mal podia andar. Olhou para aquele rosto que lembrava vagamente o príncipe da foto que ele mandou. Será ele? 

-Bom dia, minha princesa!!! Você é muito mais linda do que eu pensava.

Virgem santa! E agora? O seu príncipe na verdade era um sapo tufado! Rss.

Nossa, ela parecia uma flor jogada numa fornalha: murchou na hora.

Bem, pensou consigo mesmo: aparência é irrelevante, o que importa é a pessoa, seu caráter etc. e tal.

Ela tentou dar um abraço naquela corpulência toda, tarefa para três mulheres em ciranda! E ele tentou beijá-la, mas quando sentiu aquele mau hálito insuportável e o cheiro de suor vencido, virou o rosto e disse “calma, nada de carroça na frente dos bois”!

E ela matutou com seus botões: nada que um banho, desodorante, uma escova de dente e um Listerine bucal não resolvam... rss.

Levou-o para sua suíte, ele se banhou, trocou de roupa e depois almoçaram em família. À noite mostrou a cidade e apresentou seus amigos. Ele ficou apaixonado pela filha e Cachinhos Dourados por ele, pois o mineiro danado trouxe um monte de presentinhos. Isso a reanimou.

Mas sua noite de núpcias foi um terror. O homem era um bruto, gostava de sexo selvagem, nada parecido com seus sonhos de uma noite de amor, cheia de ternura e carinhos lentos, em “slow motion”. 

Caramba, parecia mais com um taco de beisebol e ainda por cima tentou lhe sodomizar, algo surreal, impossível. A sua primeira relação sexual foi traumática, dolorosa e não sentiu nenhum prazer. Pedia para terminar logo, não acreditava que aquilo estava lhe acontecendo, praticamente estuprada sem poder pedir socorro com vergonha de seus pais. Poxa! Seu príncipe encantando era um sapo dos mais asquerosos possíveis.

Ele voltou para Minas Gerais e assim terminou a sua primeira “love story”.

Como que de forma inexplicável o amor se apaga? Como o amor singelamente se vai? Mas o amor também pode existir, mesmo que só por uma noite. Mas ela estava vivendo outra classe de amor mais cruel, que mata suas vítimas na maioria das histórias de amor das pessoas que se apaixonam entre si, era um amor platônico que tem vários tipos:

O “Eros”, reduzido no senso comum a um amor sexual; o “Philia” é o tipo de amor direcionado à amizade ou à boa vontade, formado por companheirismo, confiabilidade e confiança; o “Ágape”, que além de universal pode consistir no amor a estranhos e, por fim  o “Ludus”, que é moda hoje, um tipo de amor brincalhão e descomprometido focado na diversão e em  conquista sem amarras.

Pior: quando vieram as contas de telefone, tinha aproximadamente R$ 4.000,00 de DDD 031. O doutor notificou a empresa de vigilância e ela só não foi para “o olho da rua” porque, como dito, o doutor era gente boa e intercedeu junto ao dono, um gaúcho metido a brabo que a queria esfolar viva. Passou dois anos pagando parcelado e atrasando o carnê dos cacarecos...  Esse foi o saldo dessa aventura amorosa. Kkk.

Então ela prometeu a si que nunca mais se envolveria virtualmente com ninguém. Agora doravante seria “tête-à-tête”. Porém, ela continuava a chata de sempre e com traumas da relação com o “brutus” mineiro e por isso não interagia com ninguém. Passava suas noites nas escalas de vigilante agora com as mídias sociais modernas acessíveis a todos os mortais.

A sua página no Facebook bombava. Um lusitano a cortejava diariamente e a foi cativando aos poucos. Logo trocaram número de WhatsApp e daí namoravam todo santo dia. Ela não havia apreendido a lição, mas afinal os homens não são todos iguais. E os europeus são bem diferentes dos brasileiros, não é mesmo?

O maravilhoso português, vocês vão pensar que é sacanagem deste escriba, mas ele se chamava Joaquim. Rsss.

Ele vinha constantemente ao Brasil a trabalho de uma multinacional. Marcou o primeiro encontro em São Paulo. Pagou as passagens e se hospedaram em um hotel de luxo.

Nossa, ficou deslumbrada com aquela cidade enorme, cheia de arranha-céus, um trânsito infernal, milhões de pessoas vindo do nada para lugar nenhum na sua visão entorpecida. Ela não entendia aquilo tudo, ficou atordoada. 

Levou-a a restaurantes chiques de comidas maravilhosas. Ela nunca havia saído do Amapá e da pobreza que a cercava. Ali em São Paulo ela pode ter noção do que é riqueza e a ostentação nos shoppings centers, onde recebeu do amado um banho de loja e de salão de beleza. 

Nossa, ela saiu na noite paulistana com um vestido longo vermelho com lantejoulas e um scarpin salto 15 de loja de luxo que valorizavam seu “derriére” lindo e durinho de nascença, típico das caboclas do interior criadas no açaí, na farinha baguda e no araku cabeça-gorda que ela pescava no Rio Araguari. Com os cabelos esmeradamente arrumados pelo toucador, quando se viu no espelho do hotel, quase que ela própria não se reconheceu. Ficou estonteantemente mais linda ainda.

Um jantar à luz de vela, ao fundo um pianista de fraque embalava as taças de vinho do Porto que ela provou pela primeira vez com aquele gentleman.

Ficou inebriada e as luzes coloridas transpassavam sua retina, enquanto dançavam o tango “La Cumparsita” e ela atirada nos braços daquele homem divino. 

A cada passo o chão se levantava e se fundia com o teto. E ela rodopiava sobre o eixo como uma piorra. Girava, girava, girava, como a terra gira em torno do sol, como a lua gira em torno da terra. 

Brotou nela uma sensibilidade individual do universo espiritual que tinha dentro de si com aquele semideus tocando suas costas nuas com as mãos macias, enquanto suas coxas travavam uma batalha roçando uma na outra saindo faíscas. Ela forçava sua pélvis contra seu cavalheiro, mas não encontrava sinais da espada do guerreiro. Achou estranho, mas nunca havia sentido tamanha sensação maravilhosa, única e intransferível.

No fim de noite, Joaquim abriu a porta da suíte do hotel, pegou-a no colo e a depositou carinhosamente sobre os linhos egípcios e sedas chinesas daquela alcova luxuosa. Ela levitava como se estivesse em nuvens de algodão. 

E antes de se juntar ao leito com ela já ofegante, recitou um madrigal à cappella, era o Fado Português, vindo à sua lembrança a voz de Amália Rodrigues nos lindos versos: “O fado nasceu um dia,  quando o vento mal bulia e o céu o mar prolongava  na amurada dum veleiro, no peito dum marinheiro  que, estando triste, cantava ... que estando triste, cantava...”.

Seus corpos se fundiram num só, entre carícias, suaves perfumes franceses e o forte cheiro dos seus feromônios, criando uma atração febril entre os amantes. Suas bocas e mãos saíram explorando a pele e o corpo um do outro. 

Nossa! Ela estava arrepiada como se a garoa fria da pauliceia desvairada caísse sobre a sua nudez. Naquele contato pra lá de eletrizante ela tocou as partes íntimas do seu amado, mas era muito pequeno, incrivelmente pequeno. Pensou consigo: “não vai ser desta vez, senhor orgasmo!”

Mas paradoxalmente o português que ela amava a levou ao êxtase, seu corpo recebeu uma onda de choque do ventre para fora que a fez tremer toda. Atingiu o zênite e depois todas as ondas alphas do mundo repousaram sobre ela. Ficou ali de boca aberta, os olhos vidrados no teto e uma sensação de paz e bem-estar indescritível. 

-Muito prazer, senhor orgasmo! Seja benvindo!

Na manhã seguinte o português que ela amava voltou para o Alentejo e ela voltou para seu cantinho pobre, ali nas margens do Rio Araguari, um pedaço do paraíso terrestre chamado Amazônia.

Continuaram a namorar pela internet por vários meses. Joaquim então a presenteou com uma passagem para Londres, onde ele estava a serviço.  

No Aeroporto de Heathrow ficou presa na imigração. Mais de 6 horas de interrogatório e foi tratada como se fosse uma prostituta aventureira ou tipo mais uma imigrante latina para tomar as vagas de emprego dos anglo-saxões.  

Ligou para Joaquim, mas quem atendeu foi uma mulher que a tratou aos gritos e falou um monte de impropérios em português de Portugal. Por isso incompreensíveis. Voltou ao Brasil no primeiro vôo seguinte e ficou desolada!

A jovem tirou a “prova dos 9” comprovando que praticamente tudo o que já foi escrito sobre o amor tem seu fundo de verdade. Shakespeare afirmou que as viagens terminam com o encontro dos apaixonados. Foi ele também quem disse que o amor é cego e tem um poder esmagador de alterar e definir nossas vidas. Ela concluiu que isso é verdade. 

Portanto, aquela sua viagem a Londres nunca terminou e continua até hoje a buscar incansavelmente seu português às cegas, em qualquer canto do mundo, pouco importando o resto. Ela quer mais!

Afinal, às margens do Rio Araguari encantado, ser feliz só uma vez só é pouco...


Dr. Adilson Garcia

Dr. Adilson Garcia

Fórum Íntimo – professor doutor em Direito pela PUC- -SP, advogado e promotor de justiça aposentado.



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