YES, PAPAI NOEL EXISTE!
Diz a tradição que o Papai Noel (Santa Claus) não vive propriamente no Polo Norte, mas sim na Lapônia na pequena cidade de Rovaniemi (Finlândia), onde há o Santa Park, endereço oficial do bom velhinho de barbas brancas.
O personagem foi inspirado em São Nicolau, arcebispo de Mira na Turquia no século IV e segundo a lenda, Nicolau costumava ajudar, anonimamente, quem estivesse em dificuldades financeiras. Colocava o saco com moedas de ouro a ser ofertado na chaminé das casas. Nicolau foi declarado santo por muitos milagres que lhe foram atribuídos e depois na Alemanha foi transformado em símbolo natalino e correu o mundo.
Enclausurado o ano todo, nas noites de natal ele arreia as renas no seu trenó e percorre onipresente o mundo atendendo aos pedidos da criançada que deixa nas árvores de natal ou atrás da porta o pezinho de meia com seus desejos infantis.
Muitas crianças sequer têm uma meia, outras nem porta têm para pendurar seus pedidos, mas isso não importa porque mesmo os infelizes maltrapilhos de rua, produtos da nossa sociedade desigual e egoísta, que dormem sobre o papelão nas calçadas de madrugadas frias, guardam na sua arvorezinha de natal imaginária os seus devaneios de criança.
Sonham ter uma vida digna, um lar aconchegante, o prato de comida de cada dia; sonham saber ler para poder escrever um bilhetinho ao Papai Noel. Sonham ter mãe e pai para confortá-los dos medos e angústias e protegê-los dos perigos e da violência da vida.
E naquela noite de natal, sonham acima de tudo ganhar um presentinho, uma bonequinha, um carrinho, uma bola... Ou uma roupinha nova, limpa e cheirosa para jogar fora seus trapos encardidos.
Será que para essas crianças Papai Noel existe, se aparentemente nem Deus existe para elas?
Quando eu era criança, passaram-se anos e anos e Papai Noel sempre se esquecia do meu endereço. Era uma frustração só, um sentimento de vazio, uma tristeza danada. Nas minhas orações antes de dormir, de joelhos ao lado da caminha, perguntava ao Papai do Céu por quê?
Eu era um bom menino, não fazia pipi na cama (tu juras? Rss), não fazia malcriação, ia sempre à escola e aprendia sempre a lição, seguindo fielmente as diretrizes da música do Palhaço Carequinha, que embalou e encantou a infância de todos nós, transformando a dureza de nossas vidas num palco circense de contagiante alegria.
Mas numa certa manhã de natal, eu e minha irmã madrugamos para comer um pedaço de pão puro que descia seco no gogó (manteiga era luxo), que o padeiro deixava todo dia na sacola no gancho na varanda. Quando passamos pela sala tivemos a visão do paraíso: o danado Papai Noel pela primeira vez não se esquecera de nós.
Uau! Uma carriolinha colorida e uma bonequinha rechonchuda, sentadinha com um gorrozinho, que minha irmã batizou de Buchudinha, sua companhia inseparável até ser adulta, quando finalmente Buchudinha foi fazer a alegria de outra incógnita criança pobre.
Mas eu deixava minha irmãzinha irritada e em prantos porque apelidei a boneca de Peidorreira, porque quando a apertava emitia um som pela bundinha tipo um choro. Mas para mim, já sacana desde pequeno, era um punzinho. Kkk.
A carriolinha estava quebrada. Coitada da minha mãe: deve ter comprado em liquidação por avarias. Mas o que isso importava? Tá perdoada, minha mãezinha, que hoje está lá no céu zelando pelas suas crianças, afinal, para os pais os filhos são eternos bebês. Ora, foi tudo culpa do desajeitado Papai Noel que quebrou ao transportar, certo?
Em outro ano, meu pai conseguiu sair da pindaíba que vivia e já empregado na companhia de águas de Maringá (Codemar, encampada pela Sanepar), nos levou para a festa de natal patrocinada pela estatal. Foi no Parque do Ingá, às margens do lago, numa enorme palhoça onde hoje fica o pier dos pedalinhos.
Uau! Tinha churrasco, pipoca, algodão doce, paçoquinha e música infantil. E vocês não vão acreditar qual foi meu presente aleatório que o gorducho Papai Noel ali, em carne e osso, tirou do enorme saco que ele carregava nas costas!
Caracas, uma bola de futebol do Riiiiveliiiiinooooô!. Fiquei em êxtase, entrei em estado de choque porque sou Corinthiano desde o óvulo.
Já adulto, consegui por concurso público um emprego num banco federal e recebia altos salários, acima do que eu precisava para viver. Mas nunca deixei de lembrar da infância pobre que tive e das dificuldades materiais das crianças que sequer têm o mínimo existencial para a sobrevivência. Estou falando de comida, tá? Estou falando do flagelo da fome, que não era para existir porque poucos têm muito e muitos têm tão pouco...
No interior do Mato Grosso, eu acompanhava a luta e o altruísmo da sra. Dorothy Populim, a quem a sociedade de São José do Rio Claro deve pelo menos uma placa, por manter uma creche beneficente para as crianças pobres. Eu sempre colaborava financeiramente e quando algum cliente me oferecia um agrado eu preenchia uma guia de depósito em nome da creche.
Aí tivemos uma ideia: porque não criar um Papai Noel de verdade para as crianças? Mas quem? E como seria esse trenó?
Bem, pegamos um trator Massey Fergunson caindo aos pedaços da Prefeitura (um abraço lá no céu para o prefeito Thié), que era usado para carregar entulhos e um marceneiro parceiro fez uma estrutura em forma de trenó e a carretinha foi adaptada para transporte humano e forrada com papel alumínio. Ficou um show.
Mas e o Papai Noel? Tinha que ser um tratorista. Onde íamos arrumar um?
Na minha adolescência em vivia pilotando tratores nas lavouras do meu próspero Paraná. E no Mato Grosso, formei seringal e plantava arroz. Por isso comprei um pequeno Jirico Valmet. Nas horas vagas o tratorista era eu mesmo, porque aquele Estado estava explodindo em desenvolvimento e mão-de-obra era escassa ao extremo.
Por isso, incognitamente eu me transformei no Papai Noel e saía pilotando o trator, digo, trenó (rss) pela cidade, de comércio em comércio recolhendo donativos, com um enorme saco cheio de bombons, chicletes e balas distribuindo para a criançada nas ruas da periferia. E passeava com as crianças na carretinha.
Sob um sol escaldante, usava uma torturante barba feita de corda desfiada que pinicava até a alma, um gorro e um casaco de flanela vermelha com gola e punhos brancos. Por dentro havia recheio de estopa e algodão para engordar o Papai Noel e simular a barrigona. Aquele tempo eu era magro, hoje nem precisaria, tenho a pança natural. Kkk.
Aquela grossa indumentária fazia as vezes de sauna portátil!
- HÔW, HÔW, HÔW, ding on bell, Feliz Natal!
Feliz natal os cacetes, uma ova, uma pinoia! Eu me derretia todo e ainda vinha aquele bafo quente do motor do trator na minha cara! Putz! Papai Noel nos trópicos sofre, viu? Pote que o pariu! Rss.
Nunca as crianças, a população e os comerciantes souberam quem era aquele Papai Noel, pois eu disfarçava a voz. Às vezes ofereciam mais presentes em troca da revelação da identidade. O Papai Noel concordava, mas quando pegava os presentes fugia com o saco na costa chacoalhando o sininho e gritando:
- HÔW, HÔW, HÔW, enganei um bobo na casca do ovo, HÔW, HÔW, HÔW!
E todos riam à beça.
Por vários anos fui o Papai Noel daquelas crianças pobres, até eu me mudar para o Rio de Janeiro para assumir novos desafios profissionais na minha longeva carreira bancária. Até hoje permaneceu o mistério do Papai Noel, agora revelado. Foi uma coisa marcante na minha vida, gratificante apesar do desconforto.
No último natal, em plena pandemia da Covid-19, eu e minha esposa fomos convidados por um casal de amigos para a ceia natalina, comemoração para poucos por causa das restrições sanitárias vigentes.
Chegamos quase uma hora depois da ceia e fomos recepcionados levando uma bronca pelo atraso. Abrimos a tampa traseira do carro e cada um saiu com um enorme caldeirão lambuzado de restos de comida.
-Desculpem amigos, onde podemos lavar essas vasilhas para não deixar cheiro no carro?
Quando o casal se deu conta que nós estávamos pelas ruas e palafitas das favelas alagadas distribuindo sopão, pão e refrigerantes para aqueles que não têm nada para cear na noite de Natal, caíram em prantos se abraçando.
-Estamos envergonhados, o doutor poderia estar se esbaldando na nossa farta mesa, apreciando champagne francês no conforto, mas deu uma lição de humildade, fraternidade e altruísmo, se solidarizando com os carentes abandonados pela sociedade!
E você? O que está fazendo em prol das crianças pobres neste Natal, mesmo?
O Papai Noel deve e vai sempre existir. Por isso, não deixem morrer esse sonho pueril.
Ressuscite a magia do coração infantil que há dentro de si, pois nunca deixaremos de ser a criança que fomos um dia e seja solidário para que todos tenham um Feliz Natal!
HÔW, HÔW, HÔW!