A CRIAÇÃO DA FUTURA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL (APA) DA LAGOA DOS ÍNDIOS: É SOLUÇÃO?
Neste artigo vou abordar a necessidade (ou não) de criar uma área de proteção ambiental na Lagoa dos Índios, localizada no perímetro urbano da Capital do Amapá, Macapá.
A título de medidas compensatórias em razão da duplicação da Rodovia Duca Serra e ligação da Linha E do km 9, constou do TAC (Termo de Ajuste de Conduta) n. 025/017 da Promotoria do Meio Ambiente de Macapá a obrigação do Estado do Amapá em elaborar de estudos técnicos para identificar a localização, dimensão e limites adequados para a criação de uma Unidade de Conservação na área da Lagoa dos Índios.
Antes de adentrar no tema, cumprir esclarecer que a Lagoa dos Índios é uma APP – Área de Preservação Permanente, definida no Código Florestal como área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
As APPs são áreas naturais muito sensíveis às ações antrópicas e têm um limite rígido de exploração, sendo restrito o acesso de pessoas e animais somente para obtenção de água e atividades de baixo impacto ambiental. Entretanto, as APP não estão classificadas como Unidades de Conservação no SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação, disciplinado pela Lei Federal 9.985/2000, que é o sistema que faz a gestão dessas Unidades de Conservação (UC).
As UCs são as áreas naturais passíveis de proteção pela SNUC porque possuem características muito especiais e relevantes da fauna, flora, nascentes e águas importantes para o ecossistema. De regra, essas áreas são patrimônio biológico e sua preservação e conservação afeta diretamente a biota do lugar.
O SNUC divide as UCs em dois grupos, de acordo com suas características e seus objetivos:
(1) PROTEÇÃO INTEGRAL: o objetivo é a preservação total da área, não sendo permitida a utilização de seus recursos diretos. Porém são permitidas atividades que não envolvam consumo, coleta ou dano, como pesquisas científicas, educação e interpretação ambiental. São compostas pelas seguintes categorias: I - Estação Ecológica (ESEC); II - Reserva Biológica (REBIO); III - Parque Nacional (PARNA); IV - Monumento Natural (MONA) e V - Refúgio de Vida Silvestre (REVIS);
(2) USO SUSTENTÁVEL: visa equilibrar a preservação da área juntamente com o uso sustentável de parcela de seus recursos, colocando em harmonia a preservação da biodiversidade com a presença da população local, subdivididas nas seguintes categorias: I - Área de Proteção Ambiental (APA); II - Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE); III - Floresta Nacional (FLONA); IV - Reserva Extrativista (RESEX); V - Reserva de Fauna (RF); VI – Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) e VII - Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN).
Enquanto as APP são regidas pelo Código Florestal e Leis Estaduais e Municipais, as UCs são regidas pelo SNUC e caracterizam-se, principalmente, por proteger uma parcela representativa dos ecossistemas. São na maioria dos casos áreas públicas, porém há exceções como as RPPN, entre outras.
Não é necessário ser um ambientalista ou técnico da área ambiental para se concluir que há uma necessidade premente de se tomar medidas protetivas drásticas para a preservação da Lagoa dos Índios, pois a antropização é visível a olho nu.
Observa-se no entorno da Lagoa dos Índios, desde o braço da Ressaca Sá Comprido localizada na cabeceira do Aeroporto Internacional de Macapá, a edificação de barracos e palafitas que prossegue em ritmo mais severo nas Ressacas dos Congós e do Bairro Universidade, afetando principalmente o Igarapé da Fortaleza, cuja nascente é na Lagoa dos Índios e faz divisa com o Município vizinho de Santana.
A Lagoa dos Índios faz parte do patrimônio ambiental municipal de Macapá. De acordo com as leis municipais e estaduais, o Estado do Amapá e os Municípios de Macapá têm o dever legal de trabalharem em conjunto, assim como o Município de Santana, pois este faz parte da bacia hidrográfica daquele importante curso d´água e vai sofrer diretamente os efeitos finais, pois Santana está inserida nessa rede de complexidade e conflitos espaciais que se formam, cujo ritmo alucinante de destruição é a morte anunciada do Igarapé da Fortaleza.
A rede hidrográfica da Lagoa dos Índios é formada por inúmeras ressacas, sendo as maiores a do Beirol e Chico Dias. Depois forma o Igarapé da Fortaleza que é o curso principal entre a Lagoa e o Rio Amazonas, para o qual convergem todas as ressacas que correm entre Macapá e Santana.
O Igarapé da Fortaleza tem como afluentes na margem direita os Igarapés do Cajueiro, Bacia Grande, Biscuga, Zacarinho, Seringueira, Zacaria, Funil, Tabatinga, Arco, Limão, Davi, Mucajá, Provedor, Abacate e Tracuá. Pela margem esquerda temos os igarapés Castaninha, Braço Grande, Urubu, Igarapé da Volta, Ale-mirim, Juçara, Sorococa, Taboca, Batibota, Cacau, Gafanho, Pau Mulato e Aracu.
Essa bacia hidrográfica que se inicia na ressaca da Lagoa dos Índios é muito frágil e vem sendo submetida a uma lenta agonia e é exposta diariamente a um intenso sofrimento por ações antrópicas e urge que a sociedade e os gestores públicos atuem em conjunto para estancar essa sangria desses importantes recursos naturais.
A Lagoa dos Índios e a bacia hidrográfica do Igarapé da Fortaleza são de uma beleza cênica impressionante e esse processo de favelização de suas margens atinge mortalmente o patrimônio cultural protegido pela CF/88 (art. 216, V), pois o dano paisagístico aliado aos danos ambientais causados pela ocupação humana é fato inconteste.
Mas a grande pergunta que não quer calar é: a criação de APAs, tanto a da Lagoa dos Índios como a APA do Igarapé da Fortaleza, irão coibir os danos ambientais que vêm ocorrendo?
Penso que não! E digo o porquê. Explico! Para tal, vamos fazer uma análise do caso da APA da Fazendinha.
O CASO DA APA DA FAZENDINHA: Por analogia, criar uma APA em cima de um APP seria como aumentar a patente de um militar: ele deixaria de ser um cabo e passaria a ser um tenente. No caso da APA da Fazendinha foi o contrário: do “status” de Tenente aquela área foi rebaixado para um soldado raso. Explico!
A APA da Fazendinha está localizada em Macapá, no lado esquerdo da Foz do Igarapé da Fortaleza, que deságua no Rio Amazonas e faz divisa com Santana.
Historicamente, em 24.10.74, ali foi criado o PARQUE FLORESTAL DE MACAPÁ, na época do extinto Território Federal do Amapá, com área de 2.187 hectares. Uma década depois, em 14.12.84, o parque foi transformado na RESERVA BIOLÓGICA DA FAZENDINHA, reduzindo a área para 193 ha. Segundo levantamento da SEAG, havia naquele época no local apenas 6 moradias. Estudos posteriores demonstram um paulatino crescimento ocupacional, pois em 1995 havia 77 residências; 162 em 1998 e 230 em 2003.
Diante dessa manifesta antropização e considerando que a Reserva Biológica é de proteção integral e visa a preservação integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus limites e não permite interferências humanas diretas ou modificações ambientais, o Governo ao invés de devolver o “status quo ante”, ou seja, fazer a desocupação da área, fez o contrário: rebaixou-lhe a patente: em 31.12.05, transformou-a em APA, a atual ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DA FAZENDINHA, reduzindo-a para 136 ha., mantendo a ocupação humana e adequando aos ditames da Lei.
É que de acordo com o art. 15 da Lei do SNUC, as APAs sãos áreas em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas. Seus objetivos básicos são proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.
Como se vê, houve uma perda de aproximadamente 57 hectares, “adquiridos” por uma importante família de políticos locais, que está implantando um imenso conjunto habitacional (prometo um dia escrever sobre a ocupação das áreas “filés” de Macapá em Santana pelos burgueses, nem que isso me renda vários processos judiciais rss).
Basicamente, a REBIO é de preservação integral, sem interferência humana, sendo proibida a visitação pública e a pesquisa científica só é permitida com autorização, enquanto que a APA permite a presença humana, desde proteja a diversidade biológica, discipline o processo de ocupação e assegure a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. As APAs possuem um Conselho Deliberativo Gestor, constituído por representantes dos órgãos públicos, organizações da sociedade civil e da população residente, que administrarão com base no SNUC e no Plano de Manejo da APA.
O Conselho da APA DA FAZENDINHA é composto pela (1) Associação Filantrópica Ambiental de Utilidade Pública do Igarapé Fortaleza (AFAUPIF), (2) Associação Comunitária Esperança da Fortaleza (ACEF), (3) Associação de Mulheres do Igarapé Da Fortaleza (AMIGA), (4) Cooperativa dos Camaroeiros do Igarapé da Fortaleza (COOPERCAF), (5) Conselho de Segurança da Fazendinha (CSF), (6) Conselho Comunitário do Igarapé da Fortaleza (CCIF), (7), Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA), (8) Secretaria Estadual de Turismo (SETUR), (9) Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA), (10) Batalhão Ambiental da Polícia Militar (BA), (11) Prefeitura Municipal de Santana (PMS) e (12) Prefeitura Municipal de Macapá (PMM).
Que linda a composição do Conselho, não? Pena que nunca funcionou !
Em resumo da ópera, hoje a APA DA FAZENDINHA está com a margem da rodovia repleta de barracas de venda de peixe e camarão, cheia de dejetos, houve ocupação humana desordenada e supressão vegetal criminosas, uma destruição da mata ciliar (ripária) e um circo de horrores por causa do óleo e lixo despejado pelas centenas de embarcações que aportam no Igarapé da Fortaleza, impunemente.
Portanto, mesmo sendo uma APP, trata-se de área protegida com um forte arcabouço jurídico e não seria a sua transformação em UC de uso sustentação, como por exemplo, uma APA – Área de Proteção Ambiental que lhe garantiria a manutenção de suas características naturais em prol da proteção do meio ambiente.
Leis estaduais e municipais e também a Constituição do Amapá prevê a especial proteção das áreas úmidas, ao definir no art. 315 que as terras marginais dos cursos d’água são consideradas áreas de preservação permanente, proibido o seu desmatamento e, portanto, ocupação humana.
A título de sugestão (só para não dizer que eu só critico), aponto como solução a construção da base física da SEMA dentro da APA DA FAZENDINHA, a elaboração de um Plano de Manejo e um Centro Comunitário, a criação da figura do Agente Ambiental Comunitário (remunerado por jetom por sessão), a criação de um entreposto Pesqueiro do Igarapé da Fortaleza, implantação de uma Rádio Comunitária para difundir a educação ambiental e atender a comunidade.
Seria de bom alvitre visando retirar aquelas horrorosas barracas precárias na rodovia, a construção de uma decente Feira do Camarão e incentivar o reaproveitamento da casca do camarão, além de um mutirão para a limpeza do Igarapé da Fortaleza e conscientização dos barqueiros.
Urge também a implantação de uma escola sócio-ambiental (escola bosque), cercar a área toda com alambrado, implantar um sistema isolado de água de água potável, criar a figura do gari comunitário remunerado com o emprego da população local, além de destinar uma área específica para construção de casas populares e criação de trilha ecológica para fomentar o turismo.
O processo de criação da APA se iniciou em 2018, inclusive com consultas públicas realizadas pela SEMA. Mas não avançou.
Ponto finalizando, arremato: de que adiantam leis excelentes não cumpridas? Leis bonitas e Unidades de Conservação para inglês ver a sociedade está cheia...