A FAVELIZAÇÃO DA RODOVIA NORTESSUL
Quando vi a Rodovia Norte-Sul sair do papel e começar a ser rasgada a passos de bicho preguiça com a promessa de se tor- nar um dos principais eixos de mobilidade ur- bana de Macapá, sonhei num sonho sonhado uma nova cara para Macapá.
A rodovia Norte-Sul, que custou um par de rins, corta a ressaca do Sá Com- prido. Esta é a nascente da Lagoa dos Índios e do Iga- rapé da Fortaleza, o qual deságua em Santana incor- porando suas águas às do Amazonas, contribuindo com sua quota-parte para ele ser o que é: o maior rio do planeta Terra.
A rodovia Norte-Sul ERA para ser um dos lugares mais lindos de Macapá, pois a paisagem que se vislum- bra é o crepúsculo do majes- toso astro rei escondendo suas cores alaranjadas por detrás das alvas nuvens, um arrebol tendo como mol- dura a vegetação caracterís- ticas das áreas inundáveis (açaizeiros, aningas, buritis e palmeiras).
A relva molhada é salpi- cada por pontinhos multi- coloridos do branco das garças e vermelho dos gua- rás e um arco-íris de cores dos suís, japiins, tucanos, bem-te-vis, sabiás, gatura- mos, mergulhões, socós, marrecas e incontáveis aves do bioma ou migrató- rias que buscam na farta fauna ictiológica seus ali- mentos.
Bem, eu conjuguei o verbo ERA no tempo preté- rito correto! ERA PARA SER UM DOS LUGARES MAIS
BONITOS. Era! Eu disse: era!
Até que começou bem a Norte-Sul, vez que as sedes das Justiças Federal, Jui- zado Especial, Eleitoral e do Trabalho, junto com a Polícia Federal, mudaram- se para lá desafogando o apertado centro de Ma- capá, que não cabe nem mais uma carroça puxada pelos burros que geren- ciam esse importante mo- numento de mobilidade e estão deixando aquela pro- messa de uma cidade mo- derna se transformar num pesadelo.
Louve-se que construí- ram para os pobres naquela via o Conjunto Miracema, um projeto de habitação com 2.000 unidades entre apartamentos e casas que tem de 38 a 44 m² cada, con- templado com escolas, cre- ches, unidade básica de saúde e de policiamento, terminal e ponto de ônibus (só falta criar uma linha e por ônibus. Esqueceram desse detalhe. Rss).
Naquele meu sonho so- nhado, eu sonhei com dois projetos magníficos im- plantados em Campo Grande (MS) e Cuiabá (MT. Lá construíram Centros Políticos Administrativos que consiste em retirar todos os órgãos públicos do centro da cidade e instalar no local novo, amplo, are- jado, arborizado, com vias de acesso fáceis e estacio- namento para todos.
Em Campo Grande foi criado o Parque dos Pode- res, abrigando diversos se- tores da administração estadual. Trata-se de uma Reserva Ecológica criada pelo governador Pedro Pe- drossian (hoje leva seu nome em homenagem pós- tuma) e tem o objetivo de resguardar a sua fauna, flora e belezas naturais existentes na antiga área chamada Desbarrancado.
A concepção original do projeto foi do paisagista Roberto Burle Marx, cuja genialidade previu a con- servação de muitas espé- cies nativas arbóreas existentes nos canteiros centrais das avenidas.
Dirigir dentro daquele parque exige atenção prin- cipalmente à noite para não atropelar alguns ani- mais (lobinhos, taman- duás, quatis, capivaras, tatus etc.) que moram na reserva. Durante o dia e principalmente nos fins de semana, o parque é tomado pelos adeptos da cami- nhada e de bicicleta. Uniu- se o útil ao agradável.
Em Cuiabá, quando es- tenderam a avenida Prai- nha no final da década de 1970, expandindo o muni- cípio em direção à Chapada dos Guimarães, foi criado o CPA – Centro Político Ad- ministrativo, concentrando os órgãos públicos.
Assim, o centro velho de Cuiabá, cujas ruelas mal passam uma carroça (lá al- guns dirigentes tucujus não passariam porque en- roscariam os chifres), ficou para o turismo e comércio nos seus calçadões.
Em ambas as duas capi- tais (perdão pelo pleo- nasmo), melhorou a vida de todo mundo. Mas em Macapá não: para variar estão fodendo a vida de todo mundo.
Sinto uma tristeza pro- funda na alma quando de tarde vou caminhar pela Norte-Sul (armado, lógico) com minhas pastoras ale- mãs ou quando tomo um vento na fuça pilotando minha Harley-Davidson (com velocidade, lógico, para não ser assaltado).
Sinto uma tristeza pelo grave atentado ambiental que está ocorrendo, pois os sem-teto (ou invasores) estão ocupando selvage- mente as áreas de preser- vação permanente, construindo barracos den- tro dos mananciais e em terreno de marinha.
E nas áreas altas úteis, inclusive na calçada do muro da Infraero (área de segurança do Aeroporto In- ternacional), está ocor- rendo uma favelização desenfreada e sem con- trole dos governos, que fazem de conta que não veem esse crime que estão cometendo contra a Cidade de Macapá.
A sociedade precisa discutir a efetividade da tutela ambiental porque as áreas em questão estão se trans- formando em enormes bairros em um processo de “favelização” horizontal, o que de certa forma traz à baila a velha a dicotomia “ecocentrismo x antropo- centrismo”.
A permissividade dos go- vernos (estadual, munici- pal e federal) está causando por omissão danos ao meio ambiente no plano ecológico, paisagís- tico e urbano, danos esses de difícil ou impossível re- paração, pois é pouco pro- vável a demolição das habitações construídas se consolidadas, como sói ocorrer no Amapá.
Para corrigir esse grave atentado ambiental, os go- vernos deveriam promover a recuperação das matas ci- liares situada às margens da ressaca, urbanizar toda a área de in?uência, com a de- molição de habitações e re- compor o “status quo ante”.
E retirar judicialmente ou com uso da sua força de polícia todos os invasores das áreas para que futura- mente possam ser trans- formadas em um Centro Político Administrativo Tu- cuju e/ou projetos de mora- dias, visando eliminar o “deficit” habitacional gri- tante do Amapá, cujas áreas de ressaca foram quase que totalmente to- madas pela ineficiência de políticas públicas setoriais. E quanto aos chefes do executivo das três esferas, não me venham com des- culpas esfarrapadas um empurrando a culpa um para o outro! Ah, porque a área é federal, ah porque a área é isso, ah porque a área é aquilo.. Lembrem- se: governo é um só, a divi- são se dá apenas para que cada administração cuide melhor do patrimônio e dos interesses do povo dentro de suas competên- cias.
Urge, enquanto há tempo, antes que se conso- lidem essas aglomerações habitacionais clandestinas (depois não sai mais, “tu sabes”!), que os governos das três esferas saiam da retórica populista e ajam contra esse estado de coisa absurda.
Sugiro à União, ao Estado e Município montar uma comissão multidisciplinar para a elaboração de proje- tos urbanísticos, paisagísti- cos e turísticos que contemplem a recuperação de todas as áreas invadida da rodovia Norte-Sul, com estudo antropológico das famílias para remoção diri- gida para futuros conjuntos habitacionais.
Lembro às ratazanas da política Amapaense (e aos marujos de primeira via- gem) que é dever da ban- cada federal carrear recursos para o Amapá, ao invés de ?car um brigando com o outro, pois pelo andar da carruagem vai voar ta- cape e borduna: enfezem a índia, “patuvê”!
Pois é, deputados, senado- res, vereadores e chefes de executivo: controlem seus egos e parem de brigar. Um sábio e velho ditado diz que a “união faz a força”. En- quanto vocês ?cam de picui- nhas o povo padece sem água, sem moradia e sem emprego!
Copiaram ou querem que eu escreva no quadro- negro?