Ah! Se meu fusquinha falasse

Ah! Se meu fusquinha falasse


No nosso tempo de outrora, menino usava azul e menina cor- de-rosa; menino brincava de car- rinho e menina de boneca.

Ah, mas meninos e meninas brincavam de médico também no meio das bananeiras (rsss). Você não sabe o que é brincar de mé- dico? Ah, então você não teve in- fância feliz (vai depois no pv que te explico  a brincadeirinha rsss). E qual menino que não so- nhava ter um carro de verdade? Meus primeiros carrinhos foram feitos de lata de óleo e pedaços de madeira. A gente furava a tampa e fundo da lata de leite Ninho, atravessava um arame, enchia de areia e corria em desabalada car- reira pelas ruas de terra roxa que colore o Norte do Paraná e tinge de “vermeio” os pés dos caipiras. Carrinho de controle remoto ou os Hot Wheels eram coisas im- pensáveis na nossa infância pobre de menino de pés descalços da periferia.

Então, todo menino alfa queria ter um carro (uns e outros desde aquela época sonhavam com bo- necas! Rsss), ralar duro para ga- nhar dinheiro e desfilar num pé-de-bodeainda que fosse.

As opções da década de 60 e 70 não eram muitas:DKW (pronun- cia-se decavê, que depois para vender era “decagá”), Simca, Ro- miseta (lembra? parecia uma lambreta de três rodas), o valente Jipe (sonho de consumo  de todos), Rural, Aero Willys, Gor- dini (que não cabia um gordinho rss) e a inesquecível Kombi.

A perua era a menina dos olhos dos feirantes. Servia para trans- portar cargas e pessoas, eram as vans da época.A Kombi era o carro preferido das funerárias. Se o morto não tivesse queimado a rosca quando era vivo, na hora do cortejo fúnebre ele tostava. Eles enfiavam o esquife ali por trás em cima do motor da Kombi e o defunto ficava com a costa e o to- batorradinhos (rss).

Muitos mortos quando chega- vam no cemitério ressuscitavam de tanto calor porque pensavam que já estavam no inferno! Kkk. É verdade! Tô falando! Ou vocês acham que depois de velho  eu vou ficar contando mentira? Ara, sô!

Tanto é verdade que muitos já pensaram em formalizar um pro- cesso de canonização no Vati- cano para beatificar a Kombi diante de tantos milagres alcan- çados.

Assim como a Kombi era pre- sente na hora a morte, era pre- sente na hora da vida. Vocês pensam que aquelas cortininhas nas janelas eram pra quê?

Ali o cabra e a cabra, ardentes e sedentos de amor, fechavam as cortinas, deitavam o costado do banco um no outro e virava uma cama King Size Plus! E tome ripa na chulipa. Nasceram muitos me- ninos nessas empreitadas!

Por essa fama, logo apareceu um kombeiro com senso empre- sarial aguçado e criou o Fode Truck com a Kombi dele.

Encostava o Fode Truck perto das baladas e faturava a noite toda, R$ 5 pilas cada molhada de biscoito. De  manhã era só  meter o jato d’água e escorrer o caldo porque Kombi é que nem “muié”: lavou, enxugou, tá nova! (rsrsrs)

A Kombi era usada como bor- racharia, oficina mecânica, mo- torhome, ambulância, táxi  etc. Era igual Bombril: tinha 1.001 nem maconha (há controvérsias, rss), era pau pra toda obra e fo- cado em vencer na vida.

E não é que o velho tinha um faro aguçado?

Pena que o destino nos prega peças e aquelas juras de amor eterno até que a morte os separe ficou como promessas vãs.

E eis que fomos a uma feira de carros antigos ali na praça em frente à Catedral de Maringá.

Adivinha o que  encontramos lá? Se você respondeu fusqui- nhas acertou. Os colecionadores da região ostentavam  aquelas joias raras, modelos da década de 1950, conversíveis, fuscão 1600 (besourão), fusquinhas  e  tinha até um fuscão preto, famoso na música.

Encantei-me com um fusqui- nha 66 todo original, era cor de café-com-leite. Simplesmente endoidei. Propus compra e o pro- prietário italiano gorducho disse por ora não, talvez um dia. Mas o preço seria equivalente a de um novo, que era na época custava Cr$ doze milhões de cruzeiros.

Ofereci Cr$ 10 milhões na bucha. Ele não quis. Peguei o te- lefone e no dia seguinte ofereci Cr$ 14 milhões. O “véio” lazarento refugou. E eu puto da vida ofereci até o que não tinha: Cr$ 17 mi- lhões. Lógico, confiando no bolso do fazendeiro meu futuro sogro (rss).

O fusquinha era um modelo igual ao do meu pai quando eu cabia no porta-malas junto com minha irmã.

Não era azul turquesa como eu idealizara, mas era um fusca.

E levei a baratinha (foi o nome carinhoso que dei a ele) café- com-leite pro Mato Grosso com minha amada do lado.

Bom, eu não tinha Kombi pra deitar o banco e baixar as corti- nas para o show começar. Então se não tem, vai tu mesmo Fusqui- nha!

Cheguei em Cuiabá com  dor nas costas, cãibras nas pernas e um fraqueza no joelho! (Eita lua de mel porreta!).

Nossa! A baratinha voadora fez o maior sucesso no Mato Grosso. Fui obrigado a botar um adesivo nos vidros “não está à venda” (kkk).

Gente,  a baratinha voadora foi o meu carro inesquecível de tan- tos que tive, fui feliz com ele no amor e na dor (Ah, se meu fus- quinha falasse!).

Tinha orgulho de chegar nas festas ou solenidades públicas, não havia quem não torcesse o pescoço para degustar com os olhos meu fusquinha quando passava.

Quando abriu concurso no banco estatal que eu trabalhava, eu trouxe minha irmã de uma fa- vela cuiabana para tirá-la da po- breza. E fiz uma promessa  que me custasse o que tinha de mais caro na minha vida. O que  eu mais gostasse.

Prometi ao G.A.D.U. e à minha irmãzinha que eu daria a ela a ba- ratinha voadora se passasse no concurso.

E assim terminou minha histó- ria com o fusquinha.

Ah, mas ele ficou em família e fomos felizes para sempre.


Dr. Adilson Garcia

Dr. Adilson Garcia

Fórum Íntimo – professor doutor em Direito pela PUC- -SP, advogado e promotor de justiça aposentado.



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